Estados Unidos exigem retirada prévia de tropas ruandesas para assinatura de paz

Trabalhador carrega saco de minério na mina de coltan controlada por rebeldes do M23, em Rubaya, leste da República Democrática do Congo.
Um trabalhador transporta um saco de minério na mina de coltan em Rubaya, cidade sob controle dos rebeldes do M23, no leste da República Democrática do Congo. 24 de março de 2025. Foto: Zohra Bensemra/Reuters.

Fontes diplomáticas afirmam que o governo dos Estados Unidos condiciona a assinatura de um acordo de paz com Ruanda e República Democrática do Congo (RDC) à retirada total dos contingentes ruandeses do leste congolês. O esboço do tratado, redigido por autoridades americanas e confirmado por múltiplas fontes, prevê que Ruanda desmobilize efetivos, armamentos e equipamentos antes de selar o compromisso — medida que deve provocar forte reação em Kigali, que justifica sua intervenção como autodefesa contra milícias hutu ligadas ao genocídio de 1994.

Mediação Internacional e interesses dos EUA

A administração Trump, por meio de Massad Boulos, conselheiro sênior para a África, estabeleceu um prazo ambicioso: finalizar o acordo em cerca de dois meses, para em seguida atrair bilhões de dólares de investimentos ocidentais no setor mineral da RDC — rica em tântalo, ouro, cobalto, cobre e lítio. Para reforçar esse impulso, veja também: [RD Congo busca acordo de minerais com EUA até fim de junho].

Além da exigência de retirada, o esboço inclui um “Mecanismo Conjunto de Coordenação de Segurança” com participação de observadores militares estrangeiros, voltado a monitorar tanto eventuais remanescentes das Forças Democráticas de Libertação de Ruanda (FDLR) quanto a implementação de cessar-fogo entre o governo congolês e o M23. Outro ponto polêmico é a inclusão do M23 em um diálogo nacional em “pé de igualdade” com demais grupos não estatais, o que Kinshasa vê como concessão inaceitável — já que classifica o M23 como organização terrorista.

Posicionamentos de Ruanda e da RDC

  • Ruanda: Repudia a retirada prévia, alegando que a presença de suas tropas é crucial para conter a FDLR e proteger civis tutsis. Embora Kigali não tenha respondido oficialmente ao rascunho americano, enviou especialistas a Washington para debater detalhes técnicos.
  • RDC: Insiste que a retirada total seja condição inegociável. Fontes no entorno do presidente Félix Tshisekedi acusam Ruanda de protelar e afirmam que, sem essa retirada, o processo de paz ficará estagnado.

Esforços paralelos de negociação

O Catar tem servido de mediador desde março de 2025, apresentando uma proposta que também prevê desocupação gradual das forças estrangeiras e cessar-fogo imediato entre Kinshasa e o M23. Angola e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) apoiaram inicialmente com tropas de manutenção da paz, mas se retiraram em abril após impasses logísticos e políticos.

Desafios e perspectivas

  1. Segurança regional: Manter ou remover tropas estrangeiras sem solução para a FDLR pode perpetuar ataques a civis e novos fluxos de refugiados.
  2. Investimentos estratégicos: A incerteza política e de segurança afasta investidores em minerais críticos para a indústria global de tecnologia.
  3. Questões de legitimidade: Integrar o M23 no processo político requer garantias de responsabilização por violações de direitos humanos, sob risco de minar a confiança em instituições congolesas.

A ousadia do cronograma americano — assinatura em dois meses — pode acelerar um desfecho, mas traz o risco de gerar ressentimentos se as garantias de segurança e justiça não forem atingidas. O sucesso dependerá de um mecanismo robusto de monitoramento internacional, possivelmente amparado por mandato da ONU, para assegurar o cumprimento de cada etapa.

Conclusão

O impasse entre RDC e Ruanda evidencia a complexidade de negociar paz em uma região onde as fronteiras entre ameaças reais e interesses estratégicos são difusas. A exigência americana de retirada prévia das tropas ruandesas pode ser um divisor de águas, mas também representa um teste à credibilidade internacional e à disposição das partes em assumir compromissos duradouros. Com os olhos do mundo voltados para o potencial mineral do leste congolês, a questão que se impõe é se os interesses econômicos prevalecerão sobre as tensões históricas e militares.

Leia também: Congo e Ruanda apresentam rascunho de proposta de paz para o leste congoles


Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*