Filipinas e EUA Realizam Sétimo Exercício Marítimo Conjunto no Sul da China: Implicações Geopolíticas e Estratégicas

Helicóptero Apache sobrevoando durante os exercícios militares conjuntos Balikatan entre EUA e Filipinas em Aparri, Cagayan, maio de 2025.
Um helicóptero Apache voa durante os exercícios militares anuais conjuntos “Balikatan” entre tropas dos Estados Unidos e das Filipinas em Aparri, província de Cagayan, em 3 de maio de 2025. REUTERS/Lisa Marie David.

Em 4 de junho de 2025, as forças navais das Filipinas e dos Estados Unidos conduziram o sétimo Exercício de Atividade Cooperativa Marítima (Maritime Cooperative Activity – MCA) no Mar do Sul da China, nas proximidades das províncias de Occidental Mindoro e Zambales. Com o objetivo declarado de aprofundar a interoperabilidade entre as duas marinhas e reafirmar o compromisso de cooperação em consonância com o Direito Internacional, as manobras envolveram operações próximas à costa, exercícios de fogo de apoio e demonstrações de capacidade logística e de reabastecimento em alto-mar. Esse ensaio conjunto também contou com a estreante participação da nova fragata guiada por mísseis BRP Miguel Malvar, reafirmando o programa de modernização naval filipino.

Nos meses recentes, o crescente repertório de exercícios bilaterais e multilaterais no Indo-Pacífico reflete não apenas um reforço técnico-tático, mas sobretudo uma resposta estratégica ao avanço chinês na região. A intensificação dessas atividades, sob a ótica de Manila, busca equilibrar a relação de forças no arquipélago, sobretudo após o governo de Ferdinand Marcos Jr. estreitar laços com Washington. Além do MCA de junho, Filipinas e EUA já promoveram, em maio de 2025, exercícios conjuntos no Mar de Sulu, reforçando exercícios de domínio do espaço marítimo e operações de busca e apreensão de embarcações suspeitas.

Contexto Geopolítico e Histórico dos MCAs

Desde 2023, quando o presidente Ferdinand Marcos Jr. assumiu o poder, as Filipinas vêm promovendo um reposicionamento de sua política de defesa, aproximando-se de forma mais assertiva de Washington. Parte dessa estratégia envolve a renegociação e expansão dos Acordos de Acesso a Instalações (Enhanced Defense Cooperation Agreement – EDCA), que permitem a presença rotativa de tropas e equipamentos norte-americanos em bases filipinas. A partir desse arcabouço, nasceram exercícios como o Balikatan (combate conjunto terrestre), bem como as várias edições dos MCAs, que testam capacidades navais em cenários de complexidade crescente. Os MCAs anteriores, como o realizado em janeiro de 2025 com o porta-aviões USS Carl Vinson e as fragatas filipinas BRP Andrés Bonifacio e BRP Antonio Luna, já haviam estabelecido a base para as fases atuais, enfatizando táticas de coordenação em patrulhas coordenadas e defesa antissubmarino.

A ascensão da presença chinesa no Mar do Sul da China, materializada na construção de ilhas artificiais – como Mischief Reef e Subi Reef, agora fortificadas com instalações militares – reforçou a percepção de que Manila necessita aprimorar sua capacidade dissuasória. A China reivindica boa parte dessa bacia marítima por meio da “Linha de Nove Traços”, posição contestada pela decisão arbitral de 2016 do Tribunal Permanente de Arbitragem em Haia, que a considerou sem fundamento legal. Entretanto, Pekim não reconheceu esse veredicto e continuou suas patrulhas, ocasionando confrontos frequentes com embarcações filipinas que atuam em áreas reconhecidas pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) como Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE).

Detalhes do Sétimo Exercício

O MCA realizado em 4 de junho de 2025 concentrou-se em águas afastadas de características disputadas, evitando áreas como Spratly e Scarborough Shoal, para minimizar riscos de incidentes diretos. As principais atividades incluíram:

  1. Formações Táticas e Coordenação de Comunicação: As embarcações estabeleceram protocolos de patrulha conjunta e formação de escolta, utilizando enlaces de dados Link 16 para manter comunicações criptografadas em tempo real.
  2. Fogo de Apoio Proximamente à Costa: Dezenas de disparos simulados de obuses navais foram efetuados contra alvos terrestres pré-designados, com munição inerte para evitar danos ambientais. Observadores embarcados forneceram feedback imediato sobre pontaria e efetividade das simulações.
  3. Operações de Reabastecimento em Alto-Mar (Underway Replenishment): Tanques e suprimentos foram transferidos entre navios em movimento, testando manobras de aproximação em mar agitado.
  4. Simulações de Busca e Resgate (Search and Rescue – SAR): Cenários de navio “danificado” foram criados para treino de equipes médicas e de mergulho, avaliando tempos de resposta e coordenação entre unidades navais e aéreas.

A maior novidade operacional foi a inclusão do BRP Miguel Malvar (FF–15), fragata de 118 metros, com capacidade de lançar mísseis guiados. Comissionada em maio de 2025, a embarcação é a segunda de quatro fragatas construídas pela Hyundai Heavy Industries (Coreia do Sul) dentro do programa de modernização do arsenal filipino. O Malvar participou de manobras de lançamento de contramedidas eletrônicas, exercícios de interdição de superfície e testes de radar AESA 3D sincronizados com as contrapartes americanas.

Reações e Protestos Recentes

Em contrapartida às atividades bilaterais, Pequim intensificou suas críticas. Em 1º de junho de 2025, o governo chinês emitiu um protesto formal contra declarações do Secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, proferidas no Diálogo de Shangri-La, em Cingapura, nas quais chamou a China de “ameaça” para a região do Indo-Pacífico. O Ministério das Relações Exteriores chinês acusou Hegseth de promover uma mentalidade de Guerra Fria e de fomentar instabilidade, ao mesmo tempo em que criticava a presença de armamentos ofensivos americanos no Mar do Sul da China. Beijing reforçou que tais exercícios “ameaçam a paz e a estabilidade regionais”, demandando moderação tanto de Manila quanto de Washington.

Além disso, antes mesmo do sétimo MCA, em meados de maio de 2025, EUA e Filipinas realizaram exercícios conjuntos no Mar de Sulu, dentro da ZEE filipina, que envolveram simulações de apreensão de embarcações suspeitas, patrulhas antirrastreamento e operações integradas de aeronaves P-8 Poseidon e navios de superfície. Essas manobras foram parcialmente motivadas pelo aumento de infrações de navios de pesca chineses e pelo cerco de embarcações filipinas em recifes disputados.

Importância para a Modernização Naval das Filipinas

A incorporação do BRP Miguel Malvar representa um salto qualitativo para a Marinha das Filipinas, que até recentemente dependia de corvetas dos anos 1970 e 1980. O Malvar e sua predecessora, BRP Jose Rizal (FF–150), foram projetados com sistemas de guerra eletrônica embarcada, lançadores Mk 41 (compatíveis com mísseis antinavio e antiaéreos) e integração a redes de sensores regionais. O governo filipino prevê a entrega de outras duas fragatas idênticas até 2026, além da aquisição de aeronaves de patrulha marítima, sistemas de radar costeiro financiados pelos EUA e lançadores múltiplos de foguetes HIMARS. Tais investimentos reforçam a capacidade de vigilância de suas ZEE e de respostas rápidas a ameaças assimétricas, incluindo operações de apreensão de plataformas de petróleo, exercício que já foi treinado em março de 2025, em El Nido, com equipes de Forças Especiais americanas e filipinas.

Esses esforços enquadram-se no “Projeto Rizal”, que visa modernizar a força naval filipina ao longo da década, consolidando uma frota capaz de patrulhar desde o Estreito de Luzon até o Fiorde de Balintang. A transferência de tecnologia, treinamento conjunto e acesso a peças de reposição americanas reduzem o tempo de inatividade das embarcações e ampliam a prontidão operacional. A interoperabilidade alcançada nos MCAs é vista como pré-requisito para eventuais futuros exercícios trilaterais envolvendo Japão e Austrália, conforme discutido durante a cúpula quadrilateral no início de 2025.

Dimensão Jurídica e o Papel do Direito Internacional

O fundamento das MCAs apoia-se na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) de 1982, que assegura a cada Estado costeiro uma ZEE de até 200 milhas náuticas, onde possui soberania para explorar recursos e regular atividades econômicas. A China, entretanto, baseia suas reivindicações na “Linha de Nove Traços”, ignorando a decisão arbitral de 12 de julho de 2016, que determinou que tais pretensões não têm respaldo legal. Manila vem invocando a UNCLOS para justificar suas patrulhas e exercícios, argumentando que atos chineses de intimidação – como o bloqueio de navios filipinos em Second Thomas Shoal – violam o princípio de liberdade de navegação.

Em maio de 2025, o governo filipino recorreu novamente à Comissão Nacional de Relações com o Congresso para assegurar respaldo político a possíveis medidas legais adicionais contra Pequim, inclusive propondo a implementação de um sistema automatizado de monitoramento por satélite de embarcações chinesas em suas ZEE. A comunidade jurídica marítima internacional acompanha de perto, pois uma escalada de disputas judiciais poderia atrair outros países do Sudeste Asiático – Vietnã, Indonésia e Malásia –, que also têm contenciosos com a China.

Repercussões Regionais e Parcerias Multilaterais

Vizinhos como Vietnã e Indonésia saudaram as MCAs como garantia de que a região organizada em torno de uma “Arquitetura de Segurança do Indo-Pacífico” se fortalece. Em Hanói, especialistas celebraram o exercício como forma de dissuasão contra ações unilaterais de Pekim, enquanto Jacarta, embora evite confrontar diretamente a China – dado seu robusto comércio bilateral –, aprovou a iniciativa, lembrando que já estuda exercícios similares com EUA e Índia no âmbito do Diálogo Quad.

Em abril de 2025, o exercício trilateral “Pacto de Mar” reuniu Austrália, Japão e Filipinas para manobras no Mar de Sulu, enquanto a França enviou o porta-aviões Charles De Gaulle para o Golfo de Tonquim, reforçando a presença europeia. Além disso, a Índia anunciou que expandirá o Malabar para incluir observadores filipinos em 2026, sinalizando um alinhamento mais amplo que vai além da aliança bilateral EUA-Filipinas. Essas iniciativas têm como pano de fundo o objetivo de demonstrar a capacidade de resposta coordenada a crises – sejam elas militares, humanitárias ou climáticas – em um dos pontos mais sensíveis do globo.

Implicações para a Segurança das Rotas Comerciais

O Mar do Sul da China representa cerca de 30% do comércio marítimo global, com um fluxo anual estimado em até US$ 3 trilhões. Qualquer obstrução ou intimidação de embarcações comerciais teria efeitos profundos não apenas para Pequim, mas também para parceiros asiáticos e ocidentais que dependem dessas rotas. Ao projetar poder naval conjunto, Filipinas e EUA buscam transmitir que eventuais tentativas de bloqueio seriam prontamente questionadas. O BRP Miguel Malvar, por exemplo, equipa sensores de busca de superfície e guerra eletrônica que ampliam a cobertura de vigilância dos navios de carga, dificultando ações de espionagem e sabotagem.

Paralelamente aos MCAs, cresce a cooperação em instrumentos de vigilância: aeronaves de patrulha P-8 Poseidon operam regularmente a partir da base aérea de Clark, enquanto radares costeiros do programa “Coastal Border Security” (CBS), financiados pelos EUA, fornecem dados em tempo real sobre movimentos de frotas pesqueiras e militares chinesas. O Centro de Operações Conjuntas de Defesa Costeira (Joint Coastal Defense Operations Center) foi criado em 2025 para consolidar essa inteligência, possibilitando respostas imediatas a incidentes.

Cenários Futuros e Considerações Finais

Escalonamento de Incidentes Diretos: Caso a China intensifique patrulhas agressivas, bloqueios de embarcações filipinas ou fortifique ainda mais estruturas em recifes, espera-se que as MCAs se tornem mais frequentes e complexas, incluindo exercícios antissubmarino e de guerra eletrônica avançada.
Ampliação de Parcerias Multilaterais: É plausível que, em 2026, Filipinas estenda convites a parceiros como Índia e Reino Unido para MCAs com foco em cenários híbridos, incluindo ciberdefesa e manobras de contingência em desastres naturais.
Pressão Diplomática de Pequim: A chancelaria chinesa poderá continuar a emitir protestos formais e registrar queixas na Assembléia Geral da ONU, além de intensificar campanhas de “informação pública” para deslegitimar as ações de Manila e Washington. Por outro lado, Pequim incrementa sua diplomacia econômica no Sudeste Asiático, oferecendo investimentos em infraestrutura contra o estreitamento de vínculos de segurança entre EUA e países da região.

Em síntese, o sétimo MCA sublinha que a parceria entre Filipinas e Estados Unidos não se limita a exercícios repetitivos, mas se insere num contexto mais amplo de modernização, diplomacia estratégica e defesa de princípios jurídicos internacionais. Enquanto o Mar do Sul da China permanece como um caldeirão de disputas territoriais, a continuidade e expansão dessas atividades bilaterais — aliadas a esforços multilaterais — podem funcionar como elemento estabilizador, dissuadindo qualquer tentativa de imposição de controle exclusivo por uma única potência. Entretanto, para que essa estratégia seja bem-sucedida, será necessário equilibrar ações militares com iniciativas diplomáticas que envolvam não apenas atores do Sudeste Asiático, mas também instituições regionais como a ASEAN, reforçando canais de diálogo e mitigando riscos de escalada.

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