Hezbollah busca reforço nas urnas em meio a crescentes apelos por desarmamento

Placa com imagem do falecido líder do Hezbollah Hassan Nasrallah e faixa de campanha eleitoral em Nabatieh, sul do Líbano, maio de 2025.
Placa com retrato de Hassan Nasrallah ao lado de banner eleitoral dos candidatos apoiados pelo Hezbollah em Nabatieh, sul do Líbano, 19 de maio de 2025. Foto: REUTERS/Aziz Taher.

No rastro da devastação deixada pelos intensos bombardeios israelenses no sul do Líbano, o Hezbollah intensifica sua campanha eleitoral visando demonstrar que mantém força política e a confiança de sua base. As eleições locais deste sábado ocorrem num contexto de forte pressão interna e externa por seu desarmamento, bem como de persistência de ataques aéreos israelenses na região sul.

Contexto pós-conflito

Desde outubro de 2023, quando o Hezbollah apoiou o Hamas com disparos de foguetes e desencadeou um conflito em Gaza, o movimento sofreu perdas expressivas: milhares de combatentes e líderes teriam sido mortos, enquanto cidades como Adaisseh e Nabatieh ficaram em escombros, forçando eleitores a se deslocarem para votar em outras localidades.

“Nós vamos votar com sangue”, afirmou Ali Tabaja, de 21 anos, ao optar por votar em Nabatieh em vez de sua vila destruída. “É um deserto.”

Apesar dos danos, as três primeiras rodadas de votação indicam vitória antecipada para o Hezbollah e seus aliados em diversos distritos, em especial onde não houve concorrentes significativos.

Apelos ao desarmamento e condicionantes internacionais

O novo governo libanês prometeu estabelecer um monopólio estatal sobre armamentos, conforme cláusulas do cessar‑fogo mediado pelos EUA. Governos ocidentais e árabes condicionam a liberação de ajuda para reconstrução e reformas econômicas à entrega do arsenal não-estatal:

  • Beirut: afirma que não haverá fundos sem desarmamento.
  • Estados Unidos: insistem que só investirão em reconstrução com transparência e entrega de armas.
  • França e doadores do Golfo: mantêm retórica semelhante, ameaçando bloquear recursos até avanços concretos.

O Hezbollah, por sua vez, defende ter retirado armas do sul e vincula qualquer debate sobre seu restante arsenal à retirada israelense de cinco posições e à suspensão de ataques aéreos.

Impacto na comunidade xiita

Entre os xiitas, o Hezbollah é visto como guardião da segurança comunitária, principal fonte de assistência social e reconstrução informal. Segundo o Banco Mundial, o Líbano precisará de cerca de US$ 11 bilhões para recuperar infraestrutura e moradias, mas, até o momento, apenas a remoção de escombros avançou de forma limitada.

“Qualquer tentativa de desarmar o Hezbollah à força será interpretada como ataque à comunidade xiita e ameaça à paz civil”, avalia Mohanad Hage Ali, do Carnegie Middle East Center (Centro Carnegie para o Oriente Médio).

Comparação com conflitos anteriores

Apoio popular em 2006 vs. 2025

  • 2006: O Hezbollah emergiu fortalecido após a guerra de julho, consolidando apoio por se apresentar como único provedor de segurança diante de um Estado percebidamente inoperante.
  • 2025: Mesmo após perdas militares mais significativas, o grupo mantém ampla popularidade, reflexo da percepção de abandono pelo governo central.

Fontes de financiamento: lições aprendidas

  • 2006: Irã e Estados do Golfo canalizaram bilhões em ajuda direta, cobrindo desde salários a grandes projetos de reconstrução.
  • 2025: Teerã sofre sanções reforçadas que reduzem sua capacidade de apoio; os países do Golfo condicionam qualquer repasse ao desarmamento e à estabilidade política de Beirut.

Desafios políticos e institucionais

Os adversários do Hezbollah, incluindo o ministro das Relações Exteriores, Youssef Raji, ressaltam que a reconstrução só avançará se o país cumprir as exigências de desarmamento. Até agora, faltam negociações formais, apesar do presidente Michel Aoun ter proposto diálogo sobre estratégia de defesa nacional.

Em fevereiro de 2025, o primeiro‑ministro Nawaf Salam formou um governo de unidade focado em reformas econômicas, transparência e reconstrução, com vistas a desbloquear US$ 11 bilhões de ajuda internacional e implementar resoluções da ONU para a estabilidade na fronteira sul.

Desenvolvimento recente

Em 22 de maio de 2025, o primeiro‑ministro Nawaf Salam condenou a retomada de ataques aéreos israelenses em distritos ao sul de Nabatieh, ressaltando a necessidade de que Israel respeite o cessar‑fogo e lamentando o impacto sobre civis prestes a votar. Ao mesmo tempo, observadores da ONU relataram disparos israelenses que atingiram o perímetro de posições da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), aumentando a tensão na região sul.

Perspectivas eleitorais e geopolíticas

Os resultados das urnas servirão de termômetro para a resiliência do Hezbollah e sua capacidade de influenciar políticas de segurança e reconstrução. Uma vitória expressiva reforçaria sua posição nas negociações futuras sobre armas, mas aprofundaria o isolamento político e financeiro do Líbano. Por outro lado, uma derrota parcial poderia impulsionar vozes em defesa de um Estado laico e monopolista da força, embora arrisque agravar tensões sectárias.

Conclusão

O pleito deste sábado não é apenas uma disputa local, mas um teste de legitimidade política e uma prévia dos embates que definirão o futuro do Líbano: entre manter milícias armadas como garantidoras de segurança comunitária ou avançar rumo a um Estado centralizado e desmilitarizado. A tensão entre reconstrução econômica e soberania nacional será o eixo das decisões dos próximos meses — com as urnas oferecendo a primeira pista de qual caminho os libaneses estão dispostos a seguir.

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