Renúncia de Zarif e Impeachment de Hemmati: A Crise Política e Econômica no Irã e suas Implicações Internacionais

O vice-presidente do Irã para Assuntos Estratégicos, Javad Zarif, fala durante o 55º Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, em 22 de janeiro de 2025 [Yves Herman/Reuters]. Fonte: Al Jazeera
Javad Zarif, vice-presidente do Irã para Assuntos Estratégicos, discursa no Fórum Econômico Mundial em Davos, destacando os desafios econômicos e geopolíticos do país. [Yves Herman/Reuters]. Fonte: Al Jazeera

O cenário político iraniano vive momentos de turbulência sem precedentes, marcados pela renúncia de figuras-chave e pela intensificação de disputas internas. Em meio a uma grave crise econômica e a uma polarização crescente entre os reformistas e os conservadores, a saída do ex-ministro das Relaações Exteriores Mohammad Javad Zarif e o impeachment do economista Abdolnaser Hemmati evidenciam um reposicionamento dramático do governo iraniano – com consequências que reverberam tanto no âmbito doméstico quanto no cenário internacional.

Renúncia de Mohammad Javad Zarif

Mohammad Javad Zarif, figura central nas negociações que levaram ao acordo nuclear de 2015 e conhecido por sua postura reformista e pró-diálogo com o Ocidente, anunciou sua renúncia em meio a intensas disputas políticas. Em um post online, o ex-ministro declarou que sua decisão ocorreu após “a era mais amarga” de seus 40 anos de serviço.

Segundo relatos, Zarif foi aconselhado pelo chefe do judiciário, Gholamhossein Mohseni Ejei, a deixar o cargo e retomar a carreira acadêmica. Essa recomendação veio como forma de aliviar a pressão sobre o governo, que enfrentava uma onda de críticas das facções duras – especialmente devido a uma lei de 2022 que impede que cidadãos com dupla cidadania ou familiares diretos com dupla nacionalidade assumam cargos políticos. Com seus dois filhos nascidos nos Estados Unidos, Zarif se tornou um alvo fácil para os opositores, que o pressionavam há meses para que se afastasse da política.

Impeachment de Abdolnaser Hemmati

Como mencionei anteriormente, o impeachment de Abdolnaser Hemmati, ex-ministro da Economia do Irã, é um dos eventos centrais que demonstram as profundas divisões políticas dentro do governo iraniano. Para mais detalhes sobre esse evento e seu impacto imediato, você pode conferir nosso artigo completo sobre o impeachment de Abdolnaser Hemmati [aqui](http://Impeachment de Abdolnaser Hemmati: Um Marco na Crise Econômica do Irã).

Contexto Político e Econômico no Irã

Ambos os episódios – a saída de Zarif e o impeachment de Hemmati – ocorrem em um contexto de crise econômica profunda. Com inflação em torno de 35% e o rial iraniano em queda livre, o país enfrenta desafios enormes, agravados por sanções internacionais e uma conjuntura política interna cada vez mais polarizada. As festividades do Nowruz, que tradicionalmente impulsionam a atividade econômica, contrastam com o clima de incerteza e tensão, alimentando temores de maiores protestos e instabilidade social.

Essa conjuntura evidencia uma luta interna entre aqueles que defendem uma aproximação com o Ocidente e a busca por reformas, e os conservadores, que favorecem uma postura de endurecimento e isolamento, justificando a necessidade de proteger o país de “inimigos externos” – comumente apontados como os Estados Unidos e Israel.

O Dilema do Diálogo com os EUA e a Política Externa Iraniana

No campo internacional, o impasse também se reflete na política externa. Em uma sessão parlamentar televisionada, o presidente centrista Masoud Pezeshkian comentou sua preferência pelo diálogo com os Estados Unidos. Entretanto, seguindo as orientações do Líder Supremo, foi reafirmado que “não se negocia com a América”. Essa decisão marca uma virada definitiva no posicionamento iraniano, que passa a adotar uma postura ainda mais rígida e resistente às pressões externas.

A retórica oficial reforça a ideia de que o país não abrirá mão de sua soberania e que qualquer negociação – especialmente no contexto do acordo nuclear – só ocorrerá sob condições que garantam o controle total sobre os assuntos internos e a segurança nacional.

Implicações para o Acordo Nuclear e a Segurança Regional

As recentes turbulências internas no Irã ocorrem em meio a um cenário delicado envolvendo o acordo nuclear. Com uma cláusula de expiração iminente em outubro, os três países europeus remanescentes no acordo (o E3) dispõem de um prazo curto para ativar o mecanismo de “snapback”, que poderia reinstituir sanções da ONU. Enquanto o Irã continua a expandir seu programa nuclear – sempre enfatizando seu caráter pacífico –, as tensões aumentam, especialmente após a visita do ministro das Relações Exteriores russo Sergey Lavrov a Teerã.

Essa dinâmica coloca a região em alerta, com autoridades iranianas e seus aliados no Oriente Médio – como o IRGC e as Forças Armadas – demonstrando prontidão para uma resposta militar caso as ameaças dos EUA ou de Israel se concretizem. O discurso dos altos escalões iranianos aponta para uma eventual escalada, caso o diálogo seja completamente descartado e medidas unilaterais venham a comprometer a integridade nacional.

O Que Isso Significa para o Irã e o Mundo?

A saída de Zarif e o impeachment de Hemmati não são eventos isolados, mas sintomas de uma mudança estrutural na política iraniana. O enfraquecimento dos reformistas sinaliza um endurecimento do governo, que pode resultar em um isolamento ainda maior do país no cenário internacional e no aprofundamento dos problemas econômicos internos.

Para a comunidade internacional, essas medidas representam um alerta: o Irã está se preparando para adotar uma postura mais intransigente, o que poderá dificultar futuras negociações, especialmente em relação ao seu programa nuclear. Ao mesmo tempo, a retórica beligerante e as demonstrações de força militar elevam os riscos de um conflito regional, impactando diretamente a segurança e a estabilidade de toda a região do Oriente Médio.

Conclusão

Os recentes eventos políticos no Irã – a renúncia de Mohammad Javad Zarif e o impeachment de Abdolnaser Hemmati – evidenciam uma crise multifacetada, onde disputas internas, pressões econômicas e tensões geopolíticas se entrelaçam. Em meio a uma economia fragilizada e a um ambiente de polarização crescente, o país caminha para um caminho de maior isolamento e endurecimento político, deixando claro que qualquer futura negociação, especialmente com potências ocidentais, será condicionada a uma postura inflexível.

Esta nova fase não apenas redefine o futuro interno do Irã, mas também sinaliza para o mundo uma intensificação das tensões regionais e globais, onde o diálogo parece ser substituído pela retórica e pela demonstração de força. Em um momento em que o acordo nuclear enfrenta seu prazo final, as próximas decisões do governo iraniano e a reação da comunidade internacional serão determinantes para a estabilidade e a segurança da região.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*