Índia e Paquistão em Ebulição: A Nova Escalada em Kashmir

Membro das forças de segurança indianas patrulha as margens do Lago Dal após ataque militante próximo a Pahalgam, em Srinagar.
Força de segurança indiana vigia o Lago Dal, em Srinagar, após ataque suspeito de militantes na região de Pahalgam, sul da Caxemira — 27 de abril de 2025. (Foto: REUTERS/Sharafat Ali)

Na esteira do ataque de 22 de abril que ceifou 26 vidas de turistas em Pahalgam, a já volátil região de Kashmir transformou-se num caldeirão de tensão militar, abalos políticos e repercussões econômicas de largo alcance. Esta reportagem aprofunda o contexto histórico, mapeia a sequência de eventos, oferece uma análise geopolítica e, pela primeira vez, dedica uma seção ao Impacto Econômico da Crise, incluindo investimentos, turismo e o futuro de megaprojetos como o Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC) da Belt and Road Initiative (BRI).

Origens do Conflito em Kashmir

Desde a Partilha da Índia Britânica em 1947, o território de Jammu e Kashmir tem sido o epicentro de três guerras (1947–48, 1965, 1999) e de uma insurgência contínua. A Linha de Controle (LoC), estabelecida em 1972 pelo Acordo de Simla, divide o vale entre Índia e Paquistão, mas nunca resolveu a disputa de soberania. A introdução de armas nucleares em 1974 elevou o risco de qualquer escalada a patamares estratégicos, tornando cada tiroteio junto à LoC potencial gatilho para crise regional ou global

Cronologia dos Últimos Dias

DataEvento
22/04/2025Ataque em Pahalgam: 26 turistas mortos após militantes selecionarem vítimas por religião.
23–26/04Operações de busca na Kashmir indiana: ~1.000 casas vasculhadas, ~500 detidos, 9 casas demolidas.
27/04/2025Troca de tiros de armas leves na LoC pela 4ª noite consecutiva, sem relatos de baixas.
28/04/2025China apela por moderação; mercado de câmbio e títulos indianos voláteis em resposta.

A Dimensão Militar e Policial

  • Respostas Indianas: O Exército da Índia qualificou de “não provocados” os disparos paquistaneses e intensificou exercícios de prontidão em várias frentes, alegando rotina e necessidade de dissuasão.
  • Reação do Paquistão: Islamabad negou envolvimento no ataque a turistas e pede investigação neutra. Separadamente, afirma ter neutralizado 71 militantes na fronteira afegã nos últimos três dias.
  • Atitudes Locais: Moradores de vilarejos fronteiriços paquistaneses relatam normalidade: “Medo não existe em nosso vocabulário”, diz Shaukat Awan. Turistas continuam chegando, destacando uma resiliência social apesar das tensões.

Impacto Econômico da Crise

Investimentos e Mercados Financeiros

  • Volatilidade do Rupia: Na segunda-feira (28/04), o rupia abriu estável, mas acumulou forte oscilação entre ₹85,08 e ₹85,66 por dólar, refletindo a incerteza dos traders diante da escalada em Kashmir
  • Mercado de Ações e Títulos: O índice Nifty 50 recuou cerca de 1%, enquanto o rendimento dos títulos de 10 anos subiu 4 pontos-base, sinalizando fuga parcial de capitais de risco. Analistas projetam que, na ausência de nova escalada, o rupia deve oscilar entre ₹85,00 e ₹85,70; mas um incidente grave pode reverter ganhos imediatos.
  • Investidores Estrangeiros: Apesar do clima tenso, houve compras líquidas em ações, mas vendas líquidas em títulos, mostrando que investidores se posicionam de modo conservador, preferindo liquidez em meio à incerteza.

Turismo em Colapso

  • Pahalgam Fantasma: Antes ponto alto da temporada, Pahalgam esvaziou-se quase que instantaneamente. Hotéis fecharam, lojas baixaram portas e as estradas ficaram vazias.
  • Queda de Visitantes: Em 2024, 3,5 milhões de turistas visitaram o vale de Kashmir, parte de um total de 23,5 milhões na região de Jammu e Kashmir. As reservas para maio e junho foram majoritariamente canceladas após o ataque.
  • Receita Perdida: Estima-se que o setor turístico, que vinha crescendo a duas dígitos, perderá dezenas de milhões de dólares nas próximas semanas, afetando guias, hotelaria, transporte e comércio local.

Riscos ao Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC)

  • CPEC sob Pressão: O Corredor, eixo da BRI no Paquistão, canaliza bilhões em infraestrutura (rodovias, portos, energia). A instabilidade em Kashmir pode atrasar projetos, elevar custos de segurança e afastar financiadores internacionais preocupados com riscos
  • Apelo de Islamabad: Em outubro de 2024, o primeiro-ministro paquistanês pediu expansão da BRI para reforçar integração regional. Hoje, teme-se que a volatilidade navalhe os investimentos chineses, essenciais para o CPEC, que já soma mais de US$ 60 bilhões em compromissos
  • Geopolítica Econômica: A China, embora aprecie estabilidade para seus ativos, mantém estreito diálogo com ambos os lados. Seu apelo por moderação visa proteger não apenas interesses estratégicos, mas também a viabilidade econômica de megaprojetos na região.

Vozes da Diplomacia e da Sociedade Civil

Este é um momento de teste para a comunidade internacional: permitir que a retórica escalonada conduza a um desastre ou mediar um desarmamento gradual.”
James D. McBride, analista sênior do Council on Foreign Relations

No Parlamento de Jammu e Kashmir, o Chief Minister Omar Abdullah saudou a união civil contra o terrorismo:

“Pela primeira vez em 26 anos, sinto que o povo está conosco na rejeição a este ataque.”

Nos corredores da ONU e da SCO (Organização de Cooperação de Xangai), discursos pregam contenção e retorno ao diálogo, mas faltam mecanismos de verificação robustos.

Cenários para os Próximos Dias

CenárioProbabilidadeConsequências
Desescalada DiplomáticaModeradaRetorno parcial ao status quo, suspensão de retaliações econômicas.
Escalada Militar LimitadaBaixa-ModeradaTiroteios mais intensos na LoC, aumento de baixas, possível intervenção de observadores internacionais.
Crise Regional AprofundadaBaixaRuptura de tratados (Indus Waters Treaty), sanções multilaterais, risco nuclear latente.

Conclusão

Esta crise em Kashmir transcende o ataque de Pahalgam. Trata-se de um nó geopolítico onde memória histórica, ambições regionais e grandes projetos econômicos se entrelaçam. O colapso do turismo, a hesitação de investidores e as ameaças ao CPEC—braço crucial da Belt and Road Initiative—mostram que os custos ultrapassam o campo de batalha.

Enquanto Índia e Paquistão calibram sua resposta militar e diplomática, o mundo observa: o futuro de milhões de vidas, de bilhões em investimentos e o próprio equilíbrio de poder na Ásia Meridional estão em jogo. A pergunta que paira é se a moderação — invocada pela China e por atores ocidentais — prevalecerá ou se permitiremos que o histórico ciclo de retaliação reforce antigos fantasmas, transformando Kashmir num ponto de ruptura global.

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