Irã cobra avanços sobre sanções em negociações com EUA

Bandeiras do Irã e dos Estados Unidos impressas em papel
Bandeiras do Irã e dos Estados Unidos ilustram o contexto das negociações nucleares entre os dois países em janeiro de 2022./ Reuters

Em 26 de maio de 2025, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Esmaeil Baghaei, declarou que “o lado americano ainda não se dispôs a esclarecer como serão aliviadas as sanções opressivas contra o povo iraniano, para garantir que experiências passadas não se repitam”. Essas falas ocorreram enquanto Teerã e Washington buscavam retomar um acordo nuclear que vinham negociando em rodadas mediadas por países como Omã. Este artigo revisita o impasse atual, analisa os principais pontos de divergência quanto ao programa de enriquecimento de urânio e às inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e discute os impactos humanitários, regionais e geopolíticos de uma eventual definição nesse cenário.

Negociações Recentes e Mediação de Omã

Em abril de 2025, realizou-se na cidade de Roma a quinta rodada de conversas entre delegações iraniana e norte-americana, mediadas pela representação de Omã. Durante essa visita, o chanceler omani Sayyid Badr Albusaidi apresentou a Teerã elementos de uma proposta dos EUA para um novo acordo nuclear. Embora tenha havido pontuais avanços técnicos — como discussões sobre mecanismos de verificação da AIEA —, persistem pontos de discordância que impedem um entendimento definitivo, sobretudo quanto ao nível de enriquecimento de urânio e ao cronograma para o levantamento das sanções. Conforme afirmou Baghaei em sua coletiva, até o momento, o governo dos EUA não esclareceu como suspenderá as medidas punitivas de forma concreta, o que alimenta a desconfiança iraniana.

Principais Pilares do Impasse

  1. Escopo e Calendário do Alívio das Sanções
    • O Irã exige uma lista detalhada das sanções que serão suspensas, incluindo o setor bancário, petrolífero e o comércio de metais preciosos, bem como o prazo exato para cada suspensão.
    • A posição americana, conforme reportado por interlocutores, propõe um levantamento gradual, condicionado ao cumprimento de etapas técnicas, como inspeções regulares da AIEA. Essa abordagem preocupa Teerã, que teme que as empresas resolvam esperar e, em caso de qualquer desacordo, as restrições voltem a ser aplicadas.
  2. Nível de Enriquecimento de Urânio
    • Teerã busca manter um patamar de enriquecimento em torno de 3,67%, suficiente para fins civis, especialmente para abastecer reatores de pesquisa.
    • Os EUA defendem que o Irã reduza a esse mesmo nível, mas limitem o número de centrífugas operacionais, de modo a prolongar o chamado “tempo de ruptura” (breakout time) — o intervalo necessário para produzir urânio altamente enriquecido.
  3. Força e Frequência das Inspeções da AIEA
    • O Irã aceita inspeções regulares em suas usinas declaradas, mas resiste a permitir acesso automático a instalações militares caso surjam suspeitas de atividade clandestina, alegando que isso violaria sua soberania.
    • Washington e seus aliados exigem que a AIEA tenha autoridade para inspecionar qualquer local, inclusive instalações militares, com notificação prévia mínima (por vezes, de horas), para evitar ocultações de qualquer natureza.

Impactos Humanitários e Econômicos das Sanções

  • Escassez de Medicamentos: Apesar de isenções específicas, transferências financeiras internacionais complexas têm dificultado a importação de insumos para câncer, medicamentos para diabetes e materiais cirúrgicos.
  • Desvalorização da Moeda (Rial): Desde 2018, o rial perdeu cerca de 60% do seu valor frente ao dólar, elevando a inflação para patamares superiores a 40% em 2025. Isso reduziu drasticamente o poder de compra da população.
  • Desemprego Juvenil: A contração do setor industrial agravou o índice de desocupação, especialmente entre jovens graduados. Segundo dados do Instituto de Estudos Estratégicos de Teerã, o desemprego entre pessoas de 18 a 29 anos ultrapassa 30%.

Para a professora Leila Vaziri, da Universidade de Teerã, “um acordo duradouro deve incluir cláusulas humanitárias claras, garantindo que áreas sensíveis — saúde e educação — não sofram novos impactos”.

Cenários Possíveis

  1. Acordo Parcial com Cláusulas de Revisão
    • Estrutura em que o Irã concorda em limitar seu enriquecimento a 3,67% por um período determinado (por exemplo, três anos), enquanto os EUA suspendem a maior parte das sanções mais onerosas, mantendo apenas restrições secundárias até validação das fases acordadas.
    • Vantagem: Proporciona alívio econômico imediato ao Irã, reduzindo tensões e injeções pontuais de recursos nos setores social e educacional.
    • Risco: O Irã manteria know-how tecnológico em enriquecimento, e há receio em Washington de que, após o prazo, Teerã amplie novamente sua capacidade.
  2. Estagnação e Possível Escalada Militar
    • Caso o impasse persista, o Irã pode acelerar o enriquecimento em usinas como Fordow, levando a reações de Israel ou Arábia Saudita, que poderiam autorizar ações unilaterais.
    • O aumento do clima de incerteza elevaria os preços do petróleo globalmente e ampliaria a instabilidade no Golfo Pérsico.
  3. Mediação Multilateral Ampliada
    • União Europeia, Rússia e China poderiam atuar formalmente como co-mediadores, oferecendo garantias contratuais de que o Irã não será alvo de sanções unilaterais pelos próximos cinco anos, enquanto os EUA obteriam compromissos robustos de fiscalização.
    • Desafio: A falta de confiança histórica e as divergências geopolíticas entre essas potências podem tornar qualquer framework multilateral ainda mais complexo.

Perspectivas Regionais e Geopolíticas

  • Mercado de Energia: Caso as sanções ao setor petrolífero cessarem, o Irã poderia retomar exportações estimadas em 1 milhão de barris por dia, reduzindo a fatia de mercado de países do Golfo como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
  • Influencia no Oriente Médio: Um Irã fortalecido pode ampliar seu apoio a aliados na Síria, Iraque e Iêmen, provocando reações das monarquias sauditas e aumentando o risco de conflitos por procuração.
  • Papel de China e Rússia: Se Washington retirar sanções primárias e secundárias, Pequim e Moscou deixarão de ter que recorrer a transações em yuan e rublos para driblar embargos, o que pode reforçar a parceria energética entre Teerã e Pequim, especialmente em contratos de GNL.

Nos Estados Unidos, contudo, o Congresso — amplamente controlado por parlamentares conservadores — sinaliza resistência a qualquer afrouxamento que não inclua garantias fortes de inspeções sem aviso prévio. O senador John Barrasso (R-WY) advertiu em 28 de maio de 2025: “Enquanto não houver confiança plena na fiscalização sem restrições, não aprovaremos qualquer levantamento de sanções”.

Conclusão

Até o momento, o Irã mantém a exigência de um cronograma claro para o alívio das sanções, enquanto os Estados Unidos insistem em condicioná-las ao cumprimento de etapas técnicas, como o nível de enriquecimento de urânio e a força das inspeções da AIEA. Essa desconfiança mútua, alimentada por experiências anteriores — especialmente o abandono do acordo em 2018 e o retorno de sanções secundárias — — impede a consolidação de um entendimento definitivo.

Para avançar, serão necessárias:

  • Transparência total no levantamento das sanções, com datas e mecanismos de verificação bem definidos.
  • Cláusulas de arbitragem internacional, para impedir retaliações secundárias a empresas que retomem relações comerciais com o Irã.
  • Engajamento multilateral, envolvendo não apenas EUA e Irã, mas também União Europeia, Rússia, China e atores do Golfo, para criar um consenso mais amplo e reduzir receios geopolíticos.

Caso essas condições sejam atendidas, há perspectiva de um renascimento parcial do Plano de Ação Conjunto Global, com benefícios econômicos para a população iraniana e maior controle sobre o programa nuclear. No entanto, se prevalecer a falta de confiança e o receio de que “experiências passadas se repitam”, o risco de escalada militar e de agravamento da crise humanitária no Irã permanecerá elevado.

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