
Na quinta-feira, Nairóbi testemunhou confrontos intensos entre manifestantes e policiais, com veículos incendiados e uso de gás lacrimogêneo para dispersar multidões que exigiam justiça pela morte do blogueiro Albert Omondi Ojwang, de 31 anos, ocorrida em custódia policial na semana anterior.
Quem era Albert Omondi Ojwang
Natural de Kakoth, no condado de Homa Bay, Ojwang era professor de estudos religiosos e Kiswahili em Voi, além de pai de família. Nas redes — principalmente no X (antigo Twitter) —, ele se destacou como um ferrenho crítico da corrupção e dos abusos policiais. Em suas publicações, Ojwang denunciava com frequência:
- Esquemas de extorsão em bloqueios rodoviários, compartilhando relatos de motoristas obrigados a pagar propinas sob ameaça de prisão ou retenção do veículo;
- Compras opacas de equipamentos policiais, questionando licitações de viaturas e de material de controle de multidões sem transparência nos processos de contratação;
- Casos de violência e desaparecimentos forçados, reunindo depoimentos de vítimas e familiares de pessoas levadas por unidades especiais da polícia e jamais apresentadas à Justiça.
- Por meio de vídeos curtos, áudios vazados e links para petições on-line, ele mobilizava seguidores a documentar e registrar cada abusos às autoridades de controle, transformando seu perfil num ponto de referência para denúncias de direitos humanos no Quênia.
Estatísticas Atualizadas do IPOA
Desde sua criação em 2011, a Independent Policing Oversight Authority (IPOA) recebeu mais de 10 000 denúncias de má-conduta policial, mas só obteve 33 condenações, segundo relatório recente. Em paralelo, o IPOA encaminhou quatro dossiês sobre mortes durante os protestos de 2024 ao Ministério Público (ODPP) e prepara outros sete, depois de contabilizar 56 óbitos relacionados à repressão policial naquele período.
Circunstâncias da Prisão e da Morte
Detido em 6 de junho sob acusação de difamar o vice-inspetor-geral Eliud Lagat, Ojwang foi transferido a Nairóbi e, dois dias depois, encontrado inconsciente em sua cela. Autópsia oficial constatou múltiplos traumas faciais, lesões nos tecidos moles e compressão no pescoço — indícios claros de agressão e não de lesão autoinfligida.
Reações das Autoridades
– Pedido de desculpas: O Inspetor-Geral Douglas Kanja admitiu no Senado que a versão de suicídio era falsa.
– Compromisso presidencial: O presidente William Ruto classificou o caso como “comovente e inaceitável” e ordenou investigação sem interferências.
– Garantia de apuração: “Estamos comprometidos em garantir que todos os responsáveis sejam levados à justiça expeditamente, sem qualquer interferência,” afirmou o ministro do Interior, Kipchumba Murkomen.
Próximos Passos do Legislativo
Projeto de Lei de Assembleias e Manifestações, 2024
- Atualmente em tramitação na Assembleia Nacional, o projeto busca regulamentar as manifestações públicas, proibindo protestos em rodovias e em áreas consideradas “fora de ordem” e criminalizando atos como portar material de protesto (cartazes, cantos, apitos) sem autorização prévia.
- Prevê pena de até um ano de prisão para organizadores de manifestações não autorizadas e responsabiliza-os pelos custos de limpeza decorrentes de danos causados durante os protestos.
- IPOA e KNCHR se posicionaram contra o projeto, recomendando, em vez disso, que o Public Order Act seja emendado conforme as diretrizes do Relatório da Força-Tarefa Maraga, estabelecendo prazos razoáveis de notificação (sem inviabilizar protestos espontâneos) e esclarecendo o papel de fiscalização da polícia.
Lei de Emenda das Leis de Serviços de Segurança, 2023
- Aprovada pelo Senado em maio de 2023, esta emenda estende a jurisdição da Independent Policing Oversight Authority (IPOA) para incluir membros do Kenya Wildlife Service, do Kenya Forestry Service e do Kenya Prisons Service.
- Retira da Unidade de Assuntos Internos da polícia a responsabilidade de investigar seus próprios oficiais, conferindo integralmente à IPOA o poder investigativo.
- Exige que os comandantes de delegacias notifiquem a IPOA por escrito sobre quaisquer prisões, mortes ou ferimentos em custódia, e impõe a preservação e entrega de todas as provas relevantes (fotografias, depoimentos de testemunhas, nomes) sob pena de sanções criminais em caso de descumprimento.
Repercussão nas Redes Sociais
A morte de Ojwang tornou-se um dos temas mais discutidos no X e Instagram, com a hashtag #JusticeForOjwang viralizando entre jovens. Na esteira do movimento #OccupyParliament dos protestos de 2024, influenciadores usaram TikTok, ChatGPT e outras ferramentas para organizar manifestações e compartilhar informações em tempo real. Plataformas estão “repletas de acusações de má gestão e convocações por reforma imediata”, segundo o Irish Times.
Entrevistas e Vozes Diretas
“O ongoing crackdown só mancha ainda mais o histórico de direitos humanos do Quênia. As autoridades devem cessar as abduções, condenar publicamente a criminalização de protestos pacíficos e garantir investigações e processos justos.”
— Otsieno Namwaya, diretor associado para a África da Human Rights Watch.
“Meu irmão não morreu num acidente; ele foi alvejado pela polícia e registraram tudo como incidente de trânsito.”
— Irmão de Charles Owino, protestante de 19 anos morto a tiros em julho de 2024, cujo caso expõe como mortes em protestos são disfarçadas como “acidentes” nos registros oficiais
Pressão Internacional e Sociedade Civil
União Europeia, Estados Unidos e organizações como Anistia Internacional exigem suspensão imediata de policiais implicados e um inquérito transparente. Movimentos de jovens continuam mobilizados, desafiando o governo a implementar reformas reais na condução de protestos e no controle das forças de segurança .
Conclusão
A morte de Albert Ojwang desafia a confiança dos cidadãos na polícia queniana. Apenas a combinação de investigações independentes, responsabilização judicial e reformas legislativas poderá restaurar a fé pública e evitar novos episódios de brutalidade estatal.
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