
Em um mundo multipolar cada vez mais volátil—marcado por conflitos regionais, disputas geoeconômicas e riscos climáticos crescentes—o Indo-Pacífico se consagra como uma das regiões mais estratégicas do século XXI. Embora o Reino Unido reconheça há anos a relevância dessa área para seus interesses de longo prazo, as atenções governamentais têm sido majoritariamente desviadas para a segurança europeia e para lidar com a imprevisibilidade da política externa estadunidense.
Contudo, não é mais viável que o país concentre seus esforços em apenas uma frente. O Reino Unido precisa reelaborar sua diplomacia de modo que o Indo-Pacífico ocupe um lugar central em sua agenda externa, utilizando seu “poder de rede” para maximizar alianças existentes e forjar novas parcerias.
Por Que o Indo-Pacífico Importa para o Reino Unido
- Segurança Global: A ascensão da China e as tensões no Mar do Sul da China e em torno de Taiwan representam riscos diretos à estabilidade internacional, afetando cadeias de abastecimento e a própria segurança europeia.
- Oportunidades Econômicas: Economias emergentes de rápido crescimento—como Indonésia, Vietnã e Filipinas—oferecem mercados de consumo e investimentos estratégicos, mas também estão sujeitas a fragmentação geopolítica.
- Desafios Climáticos: A região é vulnerável a desastres naturais e elevação do nível do mar. Mitigar esses riscos requer cooperação em financiamentos verdes e transferência tecnológica.
- Inovação Tecnológica: O Indo-Pacífico é também um polo de inovação tecnológica, com liderança em setores como 5G, inteligência artificial e cibersegurança. O Reino Unido pode e deve aprofundar parcerias bilaterais e multilaterais com países como Japão, Coreia do Sul e Singapura nesses campos, tanto para desenvolvimento conjunto quanto para proteger suas infraestruturas críticas frente a ameaças cibernéticas.
Além disso, o Indo-Pacífico agrupa potências médias com valores democráticos e interesses convergentes aos britânicos, criando um ambiente fértil para coalizões de segurança, comércio, inovação e clima.
Três Eixos Estratégicos Integrados
Quatro do Indo-Pacífico: Parceria com Países Afins
- AUKUS e Cooperação em Defesa: Reforçar a viabilidade do acordo trilateral AUKUS (Reino Unido, EUA e Austrália) para compartilhamento de tecnologia e interoperabilidade militar.
- Integração Econômica: Desenvolver cadeias seguras de suprimento e diversificar rotas comerciais com Austrália, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul.
- Cooperação em Desenvolvimento: Coordenar iniciativas de ajuda e capacitação regional para evitar duplicação de esforços.
- Tecnologia e Inovação: Estabelecer marcos de colaboração com Japão e Coreia do Sul em IA, semicondutores e redes 5G resilientes, promovendo transferência tecnológica mútua e padrões éticos comuns.
Sudeste Asiático: Expansão Comercial e Resiliência Climática
- CPTPP: O Reino Unido concluiu negociações e formalizou sua adesão ao CPTPP em 15 de dezembro de 2024, passando a negociar sob as regras do acordo com oito membros até o momento; aguardam-se as ratificações de Canadá e México para plena aplicação dos benefícios.
- Financiamento Verde: Oferecer linhas de crédito e parcerias para energias renováveis, fortalecendo a resiliência das infraestruturas costeiras.
- Segurança Marítima: Apoiar patrulhas navais conjuntas para garantir liberdade de navegação.
- Cibersegurança Regional: Trabalhar com os membros da ASEAN para reforçar defesas digitais, proteger cadeias logísticas e desenvolver normas regionais para segurança cibernética.
Sul da Ásia: Além da Índia
- Parceria com a Índia: Construir sobre o acordo comercial limitado já vigente, ampliando cooperação em tecnologia, ciência e segurança.
- Vizinhança Sul-Asiática: Engajar Bangladesh, Sri Lanka e Nepal em projetos de integração comercial e diplomática, atento ao risco de instabilidade política—como a recente transição de governo em Bangladesh (2024) e o conflito de abril de 2025 na Caxemira.
Aliança Europeia no Indo-Pacífico
O Reino Unido deve exercer liderança na coordenação com aliados europeus (França, Alemanha, Países Baixos) para:
- Patrulhas navais coordenadas, ampliando a presença ocidental.
- Iniciativas de infraestrutura e clima, articulando fundos e evitando sobreposição de projetos.
- Diplomacia comercial: promover acordos conjuntos e defender regras multilaterais.
- Iniciativas tecnológicas: coordenar esforços com parceiros europeus para investir conjuntamente em projetos de IA, computação quântica e proteção de dados no Indo-Pacífico.
Desafios Internos no Reino Unido
Apesar do potencial externo, o Reino Unido enfrenta limitações internas que podem comprometer a execução plena de sua estratégia no Indo-Pacífico:
- Restrições orçamentárias: Cortes recentes em defesa e ajuda ao desenvolvimento dificultam a expansão de presença naval e diplomática.
- Falta de coesão política: Mudanças de governo, disputas partidárias e pressões domésticas por investimentos internos tornam difícil manter uma política externa consistente e ambiciosa.
- Desconexão pública: Ainda há desconhecimento generalizado sobre o Indo-Pacífico entre a população britânica, o que enfraquece o apoio político necessário para um engajamento duradouro.
O Equilíbrio com a China: Dissuasão e Diálogo
A relação com a China continua sendo o maior desafio estratégico. Embora o Reino Unido não tenha capacidade direta de conter Pequim, pode contribuir para moldar o ambiente regional:
- Dissuasão: Reforçar alianças de segurança e apoiar a soberania de estados menores na Ásia, impedindo coerção chinesa.
- Normas multilaterais: Trabalhar com aliados para impor padrões comuns de comércio, propriedade intelectual e clima, reduzindo a influência de modelos autoritários.
- Engajamento seletivo: Manter canais abertos com Pequim em áreas de interesse mútuo—como clima, saúde e estabilidade financeira—sem comprometer princípios democráticos ou segurança nacional.
Atualizações Recentes na Estratégia Britânica
- National Security Strategy 2025: Publicada em junho de 2025, classifica o Indo-Pacífico como terceira prioridade estratégica, após Euro-Atlântico e Oriente Médio, enfatizando que “NATO-first não significa NATO-only”.
- UK-Canada Economic and Trade Working Group: Estabelecida em 15 de junho de 2025 para aprofundar vínculos comerciais e acelerar a ratificação do CPTPP pelo Canadá.
Conclusão: Urgência e Oportunidade
O Indo-Pacífico é uma urgência estratégica. Com os EUA mais imprevisíveis e a China mais assertiva, o Reino Unido deve implementar uma política integrada que combine alianças sólidas, cooperação europeia, inovação tecnológica e comunicação eficaz. Ao mesmo tempo, precisa superar desafios domésticos para sustentar esse engajamento no longo prazo. Só assim o país garantirá sua relevância global e contribuirá para a estabilidade e prosperidade de uma das regiões mais dinâmicas do mundo.
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