Reino Unido amplia frota de submarinos e adota “prontidão para combate” em revisão de defesa

Funcionários reagem durante visita do primeiro-ministro britânico Keir Starmer à unidade da BAE Systems em Glasgow, Escócia
Funcionários reagem à visita do primeiro-ministro Keir Starmer à unidade da BAE Systems em Glasgow, onde ele reforçou o compromisso com a expansão militar do Reino Unido. (Andy Buchanan/Pool via REUTERS)

A Revisão de Defesa Estratégica (Strategic Defence Review), divulgada nesta segunda-feira, 2 de junho de 2025, anuncia medidas para reforçar a capacidade militar do Reino Unido diante de ameaças crescentes, especialmente da Rússia. O primeiro-ministro Keir Starmer enfatizou a necessidade de transformar a abordagem britânica de defesa, elevando as forças armadas a um estado de “warfighting readiness” (prontidão para combate) e expandindo a frotação de submarinos de ataque nuclear.

Contexto geopolítico e motivação da revisão

Nos últimos anos, o recrudescimento das tensões europeias — agravado pela invasão russa à Ucrânia — e as advertências de antigos aliados sobre a necessidade de maior autossuficiência militar levaram o premiê Starmer a priorizar o reforço das capacidades de defesa nacionais. Em visita à BAE Systems em Govan (Escócia), ele declarou:

“O momento chegou para transformar a forma como nos defendemos. Quando somos diretamente ameaçados por Estados com forças militares avançadas, a maneira mais eficaz de dissuadi-los é estar pronto.”

Essa postura busca reverter o que foi identificado como um “esvaziamento” das Forças Armadas desde o fim da Guerra Fria e correção de cortes orçamentários que reduziram a prontidão operacional.

Principais recomendações da Strategic Defence Review

A revisão, conduzida por especialistas como o ex-chefe da NATO George Robertson e a ex-assessora de assuntos russos da Casa Branca Fiona Hill, apresenta 62 recomendações que vão desde investimentos em equipamentos de alta tecnologia até reorganizações institucionais. Destacam-se:

  1. Expansão da frota de submarinos de ataque nuclear
    • Construção de até 12 novos submarinos de ataque (SSN-AUKUS), que se somarão aos 5 Astute atualmente em serviço e substituirão integralmente a frota de 7 unidades até o final da década de 2030.
    • O programa envolve parceria trilateral sob o acordo AUKUS (Reino Unido, EUA e Austrália) e visa dotar cada embarcação de propulsão nuclear, porém com armamento convencional não nuclear, ampliando a interoperabilidade em teatros como o Indo-Pacífico.
  2. Substituição das ogivas nucleares da frota de dissuasão
    • Orçamento estimado em 15 bilhões de libras esterlinas para renovar as ogivas dos submarinos estratégicos (classe Vanguard).
    • Esse custo, revelado pela primeira vez, abrange despesas até as próximas eleições de 2029 e reforça a postura britânica de manter um componente de dissuasão nuclear com credibilidade.
  3. Aumento gradual dos gastos com defesa
    • Meta de alcançar 2,5% do PIB em gastos militares até 2027, subindo de 2,3% (nível atual), com ambição de chegar a 3% “a longo prazo”, ainda sem cronograma fixo.
    • Críticas foram levantadas por partidos da oposição (Conservadores, Liberal Democrats e Reform UK) que exigem compromisso concreto para atingir 3% do PIB, enquanto a Institute for Fiscal Studies alerta que, sem reformas tributárias, juntar esse montante junto a despesas sociais exigiria aumentos de impostos significativos.
  4. Fortalecimento da base industrial de defesa
    • Construção de pelo menos seis novas fábricas de munições (munitions plants) em solo britânico, objetivando maior autonomia em tempos de crise.
    • Aquisição prevista de até 7.000 mísseis de longo alcance produzidos internamente, reduzindo dependência de fornecedores estrangeiros.
  5. Criação de um Comando Cibernético e Eletromagnético
    • Unificação das capacidades de defesa e ataque no espaço cibernético, em resposta a mais de 90.000 ataques “sub-threshold” sofridos pelas redes militares do Reino Unido nos últimos dois anos.
    • Responsável por operações defensivas (proteção de infraestrutura crítica) e ofensivas (incursões cibernéticas) contra adversários, além de guerra eletrônica para interromper radars e sistemas de comando inimigos.
  6. Modernização das comunicações em campo
    • Implantação de sistemas de rádio e satélite resistentes a interferência (jamming), garantindo interoperabilidade entre Exército, Marinha, Força Aérea e Comando Cibernético.
    • Essencial para operações em ambientes contestados, onde a superioridade de informação pode definir o desfecho de confrontos rápidos.

Análise detalhada das mudanças

Frota de submarinos: números e desafios

Frota atual e transição

  • Em serviço:
    • 9 submarinos: 5 de ataque (classe Astute) e 4 de dissuasão estratégica (classe Vanguard).
    • A classe Astute (SSN) transporta mísseis de cruzeiro Tomahawk e torpedos Spearfish, permanecendo submersa por longos períodos.
  • Em construção/testes:
    • HMS Agamemnon (Astute): lançado em outubro de 2024, deve entrar em serviço ao longo de 2025.
    • HMS Agincourt (Astute): estimado para entrar em operação em 2026.
    • Classe Dreadnought (SSBN): quatro unidades estão em produção para substituir gradualmente os Vanguard a partir de 2030, com orçamento estimado em £31 bilhões (sem contingência) e até £41 bilhões incluindo inflação e reserva de contingência.

Implicações estratégicas e industriais

  • Presença global:
    • Com até 12 novos SSN-AUKUS, o Reino Unido amplia a capacidade de patrulha tanto no Atlântico Norte quanto no Indo-Pacífico, reforçando alianças na OTAN e no AUKUS.
    • Essas embarcações oferecerão flexibilidade estratégica, pois podem operar dissuasivamente em águas distantes, protegendo rotas marítimas vitais e infraestruturas submarinas (como cabos de comunicação), cujo ataque tem sido destacado como vulnerabilidade crescente em conflitos modernos.
  • Desafios de manutenção e recursos humanos:
    • preocupações persistentes com atrasos em manutenções e escassez de mão-de-obra especializada, o que pode reduzir a disponibilidade de submarinos em missão.
    • Os estaleiros de Barrow-in-Furness (Astute e Dreadnought) e as instalações de Faslane (HMNB Clyde) e Devonport terão de absorver investimentos adicionais para acelerar cronogramas, evitar sobrecustos e treinar tripulações suficientes.
    • A demanda por engenheiros, técnicos de propulsão nuclear e operadores de sistemas furtivos segue alta, exigindo políticas de recrutamento e programas de formação (apprenticeships) mais robustos para suprir as necessidades a partir de 2026.

Dissuasão nuclear e repercussões orçamentárias

A estimativa de 15 bilhões de libras para renovação das ogivas nucleares (programa Trident) reforça que o componente estratégico do poder militar britânico permanece central. A decisão de publicar esse valor, antes não explicitado, ocorre em momento de debate público sobre os custos de manter a dissuasão, especialmente quando grupos pacifistas pressionam por redução de gastos nucleares.

  • Credibilidade e dissuasão:
    • Apesar de contestada, a continuidade da “Continuous at Sea Deterrent” (deterrente contínuo no mar) surge como peça-chave para assegurar o assento permanente do Reino Unido no Conselho de Segurança da ONU (P5).
    • A substituição das ogivas é justificativa frequente para manter “uma linha ininterrupta de dissuasão” em face de ameaças como o reequilíbrio militar russo e incertezas geopolíticas no Indo-Pacífico.
  • Pressão fiscal:
    • O Reino Unido convive com déficit elevado e cortes sociais recentes (saúde, educação, bem-estar), o que torna sensível qualquer decisão de alocação orçamentária adicional.
    • A falta de compromisso firme para gerir o aumento para 3% do PIB foi criticada internamente: o próprio Starmer admite que 3% é “uma ambição”, sem cronograma definido, gerando desconfiança sobre a viabilidade orçamentária.

“Warfighting readiness”: uma mudança cultural

A expressão “warfighting readiness”, citada pelo primeiro-ministro e incorporada ao relatório, reflete a intenção de resgatar um nível de prontidão operacional semelhante ao período da Guerra Fria. Esse conceito abrange:

  • Treinamento e exercícios conjuntos:
    • Aumento da frequência de manobras integradas com a OTAN, com ênfase em missões de resposta rápida.
    • Simulações que envolvem guerra eletrônica, ciberofensiva e defesas conjuntas, em alinhamento com parceiras como Estados Unidos e França.
  • Reestruturação organizacional:
    • Redução de burocracia interna e agilidade decisória, criando grupos de resposta rápida com capacidade de mobilização em poucas horas.
    • Priorização de unidades de prontidão imediata (como infantaria mecanizada e forças especiais), garantindo que estejam constantemente equipadas e treinadas.
  • Investimento em tecnologias emergentes:
    • Destinação de ao menos 5% do orçamento de defesa a pesquisa e desenvolvimento (R&D), visando tecnologias como drones aéreos e submarinos, IA aplicada à manutenção preditiva e sistemas de comunicação resistentes a interferência.
    • Projetos como o DragonFire (sistema de laser defensivo), que agora projeta entrega até 2027, antecipada em cinco anos para responder rapidamente a ameaças assimétricas, como drones do Iêmen operados pelos houthis.

Implicações econômicas e políticas internas

Realocação de verbas e debates públicos

Para custear o plano, Starmer anunciou cortes no orçamento de ajuda internacional, realocando parte dos 0,7% do PIB outrora destinados a ONGs e projetos humanitários. Essa decisão suscitou críticas de entidades que alertam para implicações humanitárias, especialmente em países vulneráveis.

  • Benefícios econômicos alegados:
    • O governo argumenta que a expansão industrial de defesa gerará 400.000 empregos (estimação de The Times), desde estaleiros até fábricas de munições, estimulando cadeias produtivas locais.
    • As regiões mais impactadas incluirão Faslane (Escócia), com mais de 6.000 empregos militares e civis atualmente, e Barrow-in-Furness, onde a indústria naval mantém milhares de trabalhadores.
  • Críticas e ceticismo:
    • Partidos de oposição (Conservadores, Liberal Democrats, Reform UK) exigem comprometimento claro para alcançar 3% do PIB, temendo que “ambição” sem cronograma leve a frustração e erosão da credibilidade do plano.
    • A Institute for Fiscal Studies adverte que, sem novas fontes de receita, 3% do PIB combinará gastos com defesa e bem-estar de forma “insustentável”, implicando severos cortes ou aumentos de impostos.
    • Movimentos pacifistas, como o Stop the War, repudiam o aumento em plena crise social, alegando que gastar bilhões em armamentos agrava desigualdades e incentiva corridas armamentistas.

Repercussões políticas

  • Alinhamento com a OTAN:
    • Ênfase em operações conjuntas fortalece o compromisso do Reino Unido, mas também gera expectativa de que Londres exerça mais liderança frente a países europeus que ainda investem menos em defesa.
  • Pressão interna no Partido Trabalhista:
    • Facções moderadas aplaudem o foco em prontidão e em empregos, mas alas progressistas questionam o corte na ajuda externa e a ênfase na dissuasão nuclear, sugerindo que investimentos civis poderiam render maior retorno social.
  • Impacto eleitoral:
    • Com as próximas eleições previstas para 2029, o governo busca consolidar apoio em regiões industriais de defesa (Escócia, Devonport, Barrow). Caso não consiga cumprir prazos e orçamentos, corre o risco de perder confiança popular.

Perspectivas e desafios futuros

Entrega e manutenção dos novos submarinos

  • Cronograma realista:
    • Estima-se início da construção dos submarinos SSN-AUKUS entre 2027 e 2030, com entradas em operação gradualmente a partir de 2035.
    • Até lá, a Royal Navy precisa manter e modernizar os Astute já em serviço, garantindo que os clusores (equipamentos de missão) permaneçam atualizados e que a disponibilidade operacional não caia abaixo do mínimo crítico.
  • Riscos de atrasos e estouros de orçamento:
    • Projetos anteriores (ex.: classe Astute) sofreram atrasos significativos. O programa Dreadnought já estima custo bruto de £31 bilhões, chegando a £41 bilhões com contingência — valor superior ao previsto originalmente, exigindo supervisão rigorosa para evitar repetições.
    • A escassez de mão-de-obra qualificada (engenheiros nucleares, técnicos e cientistas) e a capacidade limitada dos estaleiros podem prolongar prazos, elevando custos e gerando pressão política.

Avanços em cibersegurança e guerra eletromagnética

  • Operacionalização do Comando Cibernético e Eletromagnético:
    • Prevê-se implantação inicial de sistemas de defesa e ataque cibernético ainda em 2025, com expansão gradual até 2030.
    • Especialistas apontam que a consolidada cooperação com agências de inteligência (GCHQ e NSA) e empresas privadas de tecnologia será crucial para lidar com a velocidade dos ataques subumbral e a sofisticação de adversários como a Rússia e grupos pró-Estado Islâmico.
  • Desenvolvimento de guerra eletromagnética:
    • Programas como o DragonFire (sistema laser) servirão tanto para defesa de unidades navais quanto para operações terrestres, reduzindo vulnerabilidades a drones adversários em teatros como o Oriente Médio.
    • Espera-se que, até 2027, o Reino Unido tenha capacidade inicial de neutralizar radares inimigos e interferir em sistemas de comunicação adversários, garantindo superioridade de informação em cenários de conflito convencional.

Papel do Reino Unido na OTAN e no Indo-Pacífico

  • Na OTAN:
    • A frota ampliada de submarinos garantirá maior cobertura do Atlântico Norte, contrapondo-se à crescente presença russa no Ártico.
    • Programas de modernização e prontidão rápida reforçam a dissuasão conjunta, aliviando pressão sobre aliados que enfrentam déficits orçamentários.
  • No Indo-Pacífico:
    • A construção conjunta com EUA e Austrália do SSN-AUKUS sinaliza compromisso de Londres em contrabalançar a crescente influência naval da China.
    • Missões de patrulha e exercício conjunto em águas do Pacífico Sul deverão começar a partir de 2030, quando as primeiras unidades forem entregues, fortalecendo a rede de segurança regional.

Conclusão

A Revisão de Defesa Estratégica de junho de 2025 traça um plano ambicioso para resgatar a capacidade militar britânica em meio a um cenário global de tensões renovadas. A expansão para 12 submarinos de ataque nuclear, a manutenção da dissuasão estratégica com renovação de ogivas e o enfoque em “warfighting readiness” sinalizam que o Reino Unido retoma uma postura de estado-guera capaz de projetar poder em múltiplos teatros.

De um lado, esses investimentos prometem fortalecer a posição britânica na OTAN e no Indo-Pacífico, detendo adversários em potencial e protegendo rotas marítimas e infraestruturas cruciais. De outro, sofrem resistências internas: a falta de cronograma para o patamar de 3% do PIB e cortes em ajuda internacional levantam dúvidas sobre a sustentabilidade orçamentária e as prioridades governamentais.

Para que o Plano de Guerra – que inclui novos SSN-AUKUS, programas cibernéticos e modernos sistemas de comunicação – seja bem-sucedido, o governo deverá mitigar riscos de atrasos na construção, resolver carência de mão-de-obra especializada e demonstrar transparência fiscal. Caso contrário, corre o risco de repetir erros de projetos anteriores, onerando contribuintes e gerando insatisfação política.

Em suma, a mudança de paradigma britânica na Defesa significa que, embora a guerra convencional não se illustre iminente, o Reino Unido escolhe se posicionar “pronto para combater”, aceitando o trade-off entre segurança nacional e sacrifícios orçamentários. O êxito dessa ambição dependerá tanto da execução eficiente dos programas como do apoio continuado da sociedade e do Parlamento, em um momento em que a geopolítica global exige respostas firmes e coordenadas.

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