China Preenche Vácuo Geopolítico em Mianmar com Ajuda Humanitária, Enquanto EUA Recuam

Membros da Equipe de Resposta Internacional de Emergência da Cruz Vermelha Chinesa trabalham em um prédio residencial desabado após o terremoto, em Mandalay, Mianmar, em 31 de março de 2025. China Daily via REUTERS/Arquivo
Equipe chinesa em ação: resgatistas da Cruz Vermelha buscam sobreviventes em Mandalay após terremoto devastador. China Daily via REUTERS/Arquivo

Terremoto de 7.7 Magnitude Expõe Mudanças na Diplomacia Global e Impacto de Cortes Orçamentários Americanos

Um terremoto de magnitude 7.7 atingiu Mianmar na última sexta-feira, deixando mais de 2.800 mortos e uma paisagem de destruição em regiões como Mandalay e Sagaing. Enquanto equipes internacionais corriam para auxiliar o país do sudeste asiático, uma ausência chamou atenção: a dos Estados Unidos, outrora líder global em resposta a desastres. Em seu lugar, a China, rival geopolítico de Washington, emergiu como protagonista, enviando equipes médicas, tendas e até cães de resgate — uma movimentação estratégica que reflete uma nova ordem na assistência humanitária global.

O Terremoto e a Resposta Internacional

O sismo, cujo epicentro foi próximo a Mandalay, destruiu hotéis, escolas e monastérios, deixando milhares de desabrigados. Nas primeiras 48 horas, equipes de resgate chinesas, indianas e russas já estavam no terreno. A China destacou-se: além de prometer 100 milhões de yuans (US$ 13,76 milhões) em suprimentos, enviou dezenas de especialistas em terremotos, hospitais de campanha e até “corredores humanitários” através de áreas controladas por rebeldes — um movimento que analistas interpretam como demonstração de influência sobre tanto a junta militar quanto grupos opositores.

A Índia, por sua vez, despachou 625 toneladas de ajuda via aérea e marítima, enquanto a Rússia montou unidades móveis de saúde. “Sem a junta, não teríamos sobrevivido”, disse Ko Zaw Min, um morador de Sagaing que recebeu atendimento em uma tenda chinesa.

O Recuo dos EUA: Cortes Orçamentários e “Eficiência” de Trump

Enquanto isso, os EUA — que doaram apenas US$ 2 milhões e enviaram uma equipe de avaliação de três pessoas — enfrentam críticas por sua resposta lenta. Funcionários atuais e ex-oficiais americanos atribuem o recuo a cortes drásticos no governo Trump, que reduziram a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) a uma “casca vazia”.

“Uma USAID funcional teria ativado equipes de resgate urbano em 48 horas”, lamentou Marcia Wong, ex-diretora humanitária da agência. “Criamos um vácuo que permite que outros atores entrem.”

Sob a gestão do bilionário Elon Musk no Departamento de Eficiência Governamental, o governo Trump demitiu quase todos os funcionários da USAID e cortou contratos com parceiros terceirizados. O secretário de Estado Marco Rubio justificou as medidas como eliminação de programas que “não serviam (e às vezes prejudicavam)” os interesses americanos.

A Estratégia Chinesa: De “Vilão” a “Salvador”

A presença chinesa em Mianmar é historicamente controversa. Pequim é o principal aliado da junta militar, que assumiu o poder em 2021 após um golpe contra o governo democraticamente eleito de Aung San Suu Kyi. Em 2024, 65% dos birmaneses desconfiavam de Pequim, segundo pesquisa do ISEAS-Yusof Ishak Institute.

No entanto, o terremoto virou o jogo. Vídeos de socorristas chineses retirando sobreviventes dos escombros viralizaram, acompanhados de hashtags como #ObrigadoChina. Até a oposição ao regime — representada pelo Governo de Unidade Nacional (NUG) — agradeceu publicamente. “Temos profunda gratidão pelas equipes internacionais”, disse um porta-voz do NUG.

A mídia estatal chinesa amplificou a narrativa. A CGTN, emissora global de Pequim, transmitiu ao vivo de Mandalay, enquanto a Xinhua publicou fotos de ajuda sendo descarregada na fronteira de Yunnan.

Logística e Geopolítica: O Corredor Chinês

A decisão de enviar ajuda por terra — através de áreas rebeldes — revelou a dupla face de Pequim. “A China mostrou que mantém diálogo tanto com a junta quanto com os insurgentes”, explicou Sai Tun Aung Lwin, analista de relações sino-birmanesas. Um comboio da Cruz Vermelha chinesa, porém, foi alvejado pela junta em uma área de conflito, sem vítimas.

Para Pequim, Mianmar é crucial: é a porta de entrada para o Oceano Índico e um parceiro na Iniciativa Cinturão e Rota. “Ajudar agora fortalece a influência chinesa a longo prazo”, disse um diplomata asiático sob anonimato.

O Futuro da Influência Americana

Apesar dos cortes, os EUA mantêm laços com a oposição através de fundos para a democracia. Mas 28 programas de ajuda já foram cancelados, segundo documentos do Congresso. “Nossa capacidade de confrontar a China depende de nossa influência aqui”, alertou Scot Marciel, ex-embaixador americano em Mianmar.

Enquanto a China capitaliza a crise, especialistas temem um novo padrão: desastres naturais como palco de disputas geopolíticas.“Esta é a nova realidade sob Trump¨, resumiu Wong. “Os EUA estão entregando espaço a rivais em troca de ‘eficiência’.”

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