
Desde fevereiro de 2022, o conflito entre Rússia e Ucrânia permanece uma das crises geopolíticas mais graves da era contemporânea, caracterizado por intensos combates no terreno e por frequentes esforços diplomáticos sem avanços significativos. Em 2 de junho de 2025, realizou-se em Istambul a segunda rodada de negociações diretas desde março de 2022. Na ocasião, a delegação russa apresentou termos que Kiev classificou como punitivos, enquanto a Ucrânia reforçou sua posição de não ceder à imposições que impliquem perda de soberania.
Além de Istambul, naquele mesmo dia, houve uma breve reunião em Lituânia para um novo intercâmbio de prisioneiros, incluindo a devolução de militares feridos, jovens combatentes e 6.000 corpos de soldados mortos. Essas ações humanitárias estreitam marginalmente os laços diplomáticos, mas não alteram substancialmente o impasse político-militar.
Termos punitivos apresentados pela Rússia
Durante a rodada de Istambul, a delegação russa apresentou um memorando que exige condições estruturais para encerrar formalmente o conflito. Os principais pontos incluem:
- Reconhecimento internacional da Crimeia (anexada em 2014) e de quatro outras regiões ucranianas (Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson) como parte do território russo, com retirada total das forças ucranianas desses locais.
- Constituição da Ucrânia como país neutro, vedada a adesão à OTAN, além de proibição de qualquer auxílio militar estrangeiro, comunicações via satélite e compartilhamento de inteligência.
- Transformação do idioma russo em oficial, criação de leis que protejam os direitos dos falantes de russo e criminalização da “glorificação do nazismo” — acusação que Kiev considera infundada.
- Limitação do tamanho das Forças Armadas ucranianas, suspensão da lei marcial e convocação de eleições presidenciais e parlamentares em até 100 dias.
Para o cessar-fogo, a Rússia ofereceu duas opções, ambas rejeitadas de plano por Kiev:
- Retirada completa das tropas ucranianas das regiões ocupadas por Moscou (Luhansk, Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson).
- Interrupção imediata de toda movimentação e recebimento de ajuda militar externa, seguida de eleições num prazo restrito, sem permitir a Ucrânia reorganizar seu aparato defensivo.
Reação da Ucrânia e dos Aliados
A Ucrânia, representada pelo ministro da Defesa Rustem Umerov, rejeitou categoricamente os termos russos, considerando-os um ultimato de rendição. Umerov afirmou que Kiev possui um plano de paz próprio, que não contempla qualquer restrição ao seu poderio militar nem reconhecimento de anexações territoriais. O governo ucraniano se dispõe a analisar o memorando, mas sem abrir mão de sua integridade territorial.
Em paralelo, Zelensky solicitou aos parceiros ocidentais sanções mais rígidas sobre o petróleo russo, especialmente por parte do G7 e dos EUA, para aumentar a pressão econômica sobre Moscou. Ao mesmo tempo, agradeceu o comprometimento da OTAN em fornecer mais apoio militar e financiamento para a reconstrução ucraniana.
Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump expressou frustração com o impasse, afirmando que está “preparado para abandonar” seus esforços de mediação caso não haja avanços concretos. Contudo, analistas do Pentágono e da Casa Branca ressaltam que qualquer recuo poderia minar a credibilidade americana e incentivar ações russas mais agressivas no Leste Europeu.
A União Europeia mantém a posição de não reconhecer anexações russas e reforçou que continuará impondo sanções enquanto durarem as hostilidades. Vários países-membros defendem que não há base jurídica nem política para legitimar a anexação de territórios à força.
Implicações Geopolíticas
Os termos punitivos evidenciam o objetivo estratégico de Moscou: consolidar ganhos territoriais e impedir qualquer possível alinhamento da Ucrânia a alianças ocidentais, como a OTAN. Ao exigir o reconhecimento internacional dessas regiões anexadas, a Rússia busca alterar a lógica do pós-guerra, estabelecendo unilateralmente uma nova ordem no Leste Europeu.
Para os EUA, o dilema gira entre apoiar firmemente Kiev — mantendo sanções e auxílio militar — e tentar uma solução diplomática que, se mal calibrada, poderia enfraquecer a posição ocidental. A continuidade das conversas com Moscou sem reciprocidade concreta coloca Washington em situação de fragilidade geopolítica, pois qualquer concessão pode ser interpretada como sinal de fraqueza.
Operações Militares Paralelas
Enquanto a diplomacia ocorria em Istambul e Lituânia, o campo de batalha continuou ativo. Em 30 de maio de 2025, a Ucrânia lançou a operação “Teia de Aranha”, empregando 117 drones contra bases aéreas russas na Sibéria e no Ártico, visando atingir a frotação de bombardeiros estratégicos do tipo Tu-160 e Tu-95 (parte da tríade nuclear russa). Imagens de satélite mostraram danos expressivos a cerca de 40 aeronaves, demonstrando a capacidade de Kiev de projetar poder em profundidade.
Em retaliação, a Rússia intensificou seus ataques de drones e mísseis contra infraestruturas críticas ucranianas, visando centros de abastecimento energético, pontes e rotas logísticas. Essa escalada foi considerada a mais intensa desde o início de 2025, tendo impacto direto na população civil, com cortes de energia e restrições à movimentação.
Questões Humanitárias e Direitos Humanos
Em Istambul e Lituânia, dois acordos humanitários foram assinados:
- Devolução de 6.000 corpos de militares mortos, permitindo às famílias realizarem sepultamentos dignos.
- Troca de prisioneiros de guerra, priorizando soldados com menos de 25 anos e feridos graves.
Ao mesmo tempo, Kiev entregou à delegação russa uma lista com 337 crianças supostamente sequestradas ou transferidas ilegalmente para a Rússia. Moscou manteve a posição de que os menores teriam sido deslocados “por segurança” e concordou em avaliar apenas o caso de dez dessas crianças, mantendo a maior parte da demanda sem resposta imediata. Organizações internacionais, como a UNICEF e grupos de direitos humanos, classificam a transferência de menores como possível crime de guerra, o que aumenta a pressão diplomática sobre Moscou para resolver o impasse.
Além disso, agências como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) reforçaram a necessidade de corredores humanitários para civis nas áreas de conflito mais intensas, especialmente na região de Donetsk, onde o inverno se aproxima e agrava as condições de deslocamento forçado.
Perspectivas para Próximas Rodadas de Negociação
Apesar do impasse, Umerov anunciou a disposição da Ucrânia em realizar novas conversas antes do final de junho de 2025, desde que haja propostas de alto nível para reduzir efetivamente a violência. Kiev defende que somente um encontro direto entre Volodymyr Zelensky e Vladimir Putin, possivelmente com mediação do presidente Donald Trump ou do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, poderá desbloquear os pontos críticos. Erdogan chegou a oferecer Istambul como palco para reunião trilateral entre os três líderes entre 20 e 30 de junho.
Analistas de segurança internacional destacam que, para qualquer avanço, é imprescindível que:
- Kiev mantenha a coesão política interna e o apoio das forças armadas para não ceder a pressões de guerra.
- Moscou demonstre algum grau de flexibilidade, levando em conta as crescentes resistências interna e externa.
- Potências ocidentais, em particular EUA e UE, continuem coesas em relação às sanções e ao fornecimento de armamento pesado a Kiev, sem permitir que divergências políticas enfraqueçam a aliança.
Caso essas condições não se realizem, a probabilidade é de que os diálogos se estendam sem resultados palpáveis, perpetuando a escalada bélica.
Impacto Regional e Internacional
As repercussões desses diálogos afetam diretamente a segurança europeia e a dinâmica geopolítica global. Se a Rússia obtiver algum reconhecimento internacional de territórios anexados, criar-se-á o precedente de que a conquista territorial à força pode ser legitimada diplomática ou politicamente, enfraquecendo o sistema de normas que rege a Carta das Nações Unidas.
Por outro lado, a insistência ucraniana em não ceder territórios mostra que a OTAN e a UE continuarão a reforçar suas defesas no Leste Europeu, potencialmente acelerando a construção de bases militares nos países limítrofes com a Rússia. Isso intensifica o risco de incidentes ou provocations nas fronteiras, como já observado em 2024 nas proximidades do Báltico e da Polônia.
No plano econômico, o novo acordo EUA-Ucrânia sobre minerais estratégicos (lítio, titânio e terras raras), firmado em abril de 2025, reforça o compromisso americano com a reconstrução ucraniana e garante financiamentos para setores-chave na eventual fase pós-conflito. Embora não diretamente ligado às negociações de paz, esse pacto sinaliza a disposição dos EUA de manter apoio de longo prazo a Kiev, afetando a equação geopolítica da região.
Conclusão
A presença de termos punitivos apresentados pela Rússia em Istambul e o consequente impasse diplomático demonstram que o caminho para a paz continua tortuoso. Apesar de acordos humanitários, como trocas de prisioneiros e devolução de corpos, não há disposição de Moscou em abrir mão de seus objetivos territoriais, nem de Kiev em aceitar qualquer forma de rendição. A proposta ucraniana de organizar uma cúpula trilateral envolvendo Zelensky, Putin e Trump, bem como a reivindicação de sanções mais severas sobre o petróleo russo, evidenciam que a pressão internacional permanece elevada — mas insuficiente para forçar um compromisso que preserve a integridade territorial da Ucrânia.
Enquanto a guerra continuar no terreno e as conversas se estenderem, o custo humano segue crescendo, impulsionado por deslocamentos forçados, destruição de infraestrutura e violações de direitos humanos. Sem um gesto significativo de flexibilidade de ambas as partes ou um meio-termo político que ofereça garantias mínimas de segurança para Kiev, a probabilidade é de que o conflito se prolongue, elevando o risco de escalada e impactando irreversivelmente a estabilidade regional e internacional.
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