
Em 9 de junho de 2025, o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, recebeu em Downing Street o secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, ex-primeiro-ministro da Holanda, para tratar de um tema hoje central na agenda euro-atlântica: o aumento dos gastos militares dos países membros da aliança. Oficialmente, o encontro visa “garantir que todos os aliados elevem seus orçamentos de defesa” de forma a enfrentar as ameaças que emergem tanto no campo convencional quanto no domínio cibernético, segundo porta-voz do governo britânico.
Cenário Global e Urgência do Tema
Desde a invasão russa à Ucrânia, em fevereiro de 2022, a OTAN vive um momento de tensão estratégica sem precedentes em três décadas. À sombra de campanhas híbridas de desinformação, ataques cibernéticos e movimentações militares na fronteira leste da aliança, governos aliados buscam reforçar tanto a dissuasão convencional quanto suas capacidades tecnológicas. O próprio secretário-geral Rutte já observou, em fevereiro de 2025, que “investir ainda mais em defesa é imperativo, pois, em um mundo mais perigoso, 2% do PIB não serão suficientes para nos manter seguros”.
Contudo, a meta de destinar 2% do PIB à defesa – estabelecida em 2006 e reiterada no Ato Fundador de 2014 – não é cumprida de forma uniforme. Em recente reunião de ministros da Defesa em Bruxelas, os Estados Unidos, por meio do secretário de Defesa Pete Hegseth, pressionaram os aliados a irem além dos 2%, propondo até 5% do PIB, divididos em 3,5% para equipamentos militares e 1,5% para infraestrutura e suporte logístico. Países como Suécia e Letônia demonstraram apoio à iniciativa, enquanto outros, como Espanha, resistem à ideia de alterar abruptamente o patamar vigente (2% do PIB).
Revisão Estratégica de Defesa: Detalhes e Novos Pormenores
Em março de 2025, o governo de Keir Starmer publicou sua Strategic Defence Review (SDR). O documento contém 62 recomendações, todas aceitas pelo Executivo britânico, e propõe elevar gradualmente os gastos militares de 2,3% para 2,5% do PIB até 2027, com meta ambiciosa de alcançar 3% até 2034. Entre os pontos centrais da SDR destacam-se:
- Construção de até 12 submarinos nucleares de ataque em Cumbria. Esses navios — projetados para missões de dissuasão e vigilância no Atlântico Norte — visam reforçar a tríade nuclear do Reino Unido e criar uma cadeia produtiva estratégica em territórios do Norte da Inglaterra.
- Instalação de seis fábricas de munições para produzir internamente até 7.000 mísseis de longo alcance, reduzindo dependência de importações e assegurando estoques frente à demanda crescente na OTAN.
- Investimento de aproximadamente US$ 20 bilhões na modernização do arsenal nuclear existente, renovando ogivas e sistemas de lançamento, com cronograma estipulado até 2030 para ampliar a capacidade de resposta estratégica.
- Fomento à indústria de defesa doméstica, incentivando parcerias entre governo e setor privado para acelerar pesquisa em inteligência artificial aplicada a sistemas de comando e controle, bem como melhorias em defesa cibernética, em linha com preocupações recentes sobre ataque a infraestruturas críticas.
A SDR também estabelece programas de recrutamento e retenção das Forças Armadas, prevendo acentuar a interoperabilidade com sistemas da OTAN, sobretudo no compartilhamento de dados de inteligência e exercícios multinacionais.
Pressão por Conformidade e a Dinâmica da “Partilha de Encargos”
O cerne da discussão entre Starmer e Rutte, porém, não se limita às ambições nacionais britânicas, mas engloba a pressão por uma “burden-sharing” (divisão equitativa de encargos) entre todas as nações aliadas. Os Estados Unidos, tradicionalmente maior despendedor militar no bloco, cobram índices crescentes de parceiros, argumentando que apenas alguns poucos países — Reino Unido, Polônia, Grécia e Estônia, por exemplo — honram regularmente a meta de 2% do PIB.
No encontro de defesa em Bruxelas, em que Rutte e Hegseth defenderam a meta de 5%, o secretário-geral enfatizou que “precisamos estar melhor equipados para enfrentar qualquer ameaça, em todos os domínios, agora e no futuro”. Esse discurso foi reforçado por pelo menos seis países que se mostraram abertos a elevar suas cotas, embora sem compromissos formais de prazo imediato. Alemanha e França sinalizaram intenção de revisar seus planos, enquanto nações menores citam restrições orçamentárias domésticas como obstáculo.
Expectativas e Resultados Potenciais da Reunião
Espera-se que as deliberações entre Starmer e Rutte tenham três objetivos táticos principais:
- Reforçar o papel de liderança britânico na defesa europeia. Ao mostrar que o Reino Unido está disposto a ultrapassar o patamar de 2%, o governo Starmer busca influenciar a opinião pública e a política de países refratários, principalmente na Europa Ocidental, onde ainda se discute corte de gastos sociais versus incremento em defesa.
- Buscar compromissos concretos de elevação dos gastos em curto‐prazo. Estudos internos da OTAN indicam que atrasos em cumprir a meta comprometem a prontidão rápida (high readiness forces), pois dificultam a manutenção de estoques e a rotação de tropas em cenários de crise.
- Alinhar a SDR britânica com diretrizes conjuntas de investimento tecnológico em áreas como guerra cibernética, sistemas não tripulados e inteligência artificial. Essa convergência visa criar padrões mínimos de aquisição, reduzindo custos de compatibilidade e acelerando a implantação de novas plataformas.
Embora Downing Street não tenha divulgado o texto final da reunião, fontes diplomáticas ressaltam que Rutte pretende levar aos colegas membros da OTAN a ideia de grupos de trabalho para mapear criticamente as capacidades individuais de cada país, identificando lacunas específicas — desde munições de artilharia até satélites de vigilância — que impactem a defesa coletiva.
Perspectivas Regionais: Europa e Além
O chamado a gastar 5% do PIB deflagra debates sobre prioridades domésticas frente a uma economia global ainda fragilizada por gargalos inflacionários. Países como Espanha e Itália resistem à elevação abrupta, embora tenham sinalizado a possibilidade de atingir 2,5% em fases posteriores ao atual ciclo eleitoral. Já a Alemanha – que representa cerca de 25% do PIB da aliança – reconheceu a necessidade de expandir suas Forças Armadas (Bundeswehr), mas enfrenta obstáculos legislativos para destinar recursos extras sem cortar outros programas sociais.
Além disso, o Conselho de Segurança das Nações Unidas continua a debater sanções e apoios a Kiev. O Reino Unido, através de Starmer, reiterou seu compromisso de dois bilhões de libras em ajuda militar à Ucrânia em 2025, destacando que a vitória de Kiev tem implicações diretas para a estabilidade do flanco leste da aliança. O avanço russo em regiões fronteiriças e o reforço de tropas chinesas no Mar do Sul da China reforçam a noção de que a OTAN deve se preparar para um teatro multidimensional de disputas.
Em um plano mais amplo, a agenda de Starmer também contempla interações com Estados Unidos e Canadá sobre compartilhamento de inteligência e logística no Atlântico Norte. Durante a visita de Starmer à Casa Branca, que ocorrera três dias antes da reunião com Rutte, foi reforçado o entendimento de que a doutrina de defesa deve considerar a dissuasão nuclear e a prontidão das forças convencionais como complementares, e não antagônicos.
Confiabilidade dos Planos e Debate Doméstico
Apesar das metas ambiciosas, analistas questionam a sustentabilidade fiscal a longo prazo. O Financial Times projetou que, para atingir 3% do PIB até 2034, o Reino Unido teria de dedicar cerca de £100 bilhões adicionais anuais à defesa, o que poderia resultar em cortes em programas sociais ou elevação de impostos. Organizações de veteranos alertam para a necessidade de equilibrar orçamento entre equipamentos modernos e treinamento do efetivo humano, lembrando que alta tecnologia sem mão de obra qualificada pode resultar em lacunas operacionais.
No Legislativo britânico, o Partido Conservador — ainda influente nos Comuns apesar de não ocupar o governo — expressou reservas sobre a magnitude dos investimentos, defendendo que a revisão estratégica seja acompanhada de auditorias semestrais para garantir transparência. Por outro lado, os trabalhistas, liderados por Starmer, argumentam que, em face dos desafios apresentados por Moscou e aliados autoritários, o incremento é imperativo e deve ser priorizado para manter o Reino Unido como ator global credível.
Conclusão: A OTAN em Transição
A reunião em Londres entre Keir Starmer e Mark Rutte marca um momento-chave na trajetória da OTAN, pois sinaliza o empenho do Reino Unido em não apenas manter o padrão de 2% do PIB, mas elevar seu compromisso a um patamar ainda mais expressivo. Com a nova Estratégia de Defesa britânica apontando para a construção de submarinos nucleares, fábricas de munição e reforço do arsenal, o objetivo é inspirar uma reação em cadeia: se Londres assume a dianteira, outros membros sentirão menos relutância em ajustar seus próprios orçamentos.
No entanto, a implementação concreta desses planos dependerá do debate político interno de cada nação, de acordos multilaterais para compartilhamento de recursos e, sobretudo, da evolução do panorama de ameaças. A meta de 5% do PIB, defendida pelos EUA, ainda encontra oposição, mas já provoca reflexões profundas sobre o financiamento da defesa num contexto de custos sociais elevados. Resta aguardar se as promessas de Londres e a pressão diplomática de Rutte conseguirão, de fato, reconfigurar a equação orçamentária da OTAN, garantindo não apenas dissuasão diante de Moscou, mas também preparo para desafios futuros, dos mares do Norte ao ciberespaço.
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