No Palco de Londres, Starmer e Rutte Refletem Sobre a Sustentação Financeira da OTAN

Secretário-geral da OTAN Mark Rutte encontra o primeiro-ministro britânico Keir Starmer na embaixada britânica em Paris, março de 2025.
Mark Rutte, secretário-geral da OTAN, e o primeiro-ministro britânico Keir Starmer se reúnem na embaixada do Reino Unido durante a cúpula da "Coalition of the Willing" em Paris, 27 de março de 2025. Foto: Dimitar Dilkoff/Pool via REUTERS.

Em 9 de junho de 2025, o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, recebeu em Downing Street o secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, ex-primeiro-ministro da Holanda, para tratar de um tema hoje central na agenda euro-atlântica: o aumento dos gastos militares dos países membros da aliança. Oficialmente, o encontro visa “garantir que todos os aliados elevem seus orçamentos de defesa” de forma a enfrentar as ameaças que emergem tanto no campo convencional quanto no domínio cibernético, segundo porta-voz do governo britânico.

Cenário Global e Urgência do Tema

Desde a invasão russa à Ucrânia, em fevereiro de 2022, a OTAN vive um momento de tensão estratégica sem precedentes em três décadas. À sombra de campanhas híbridas de desinformação, ataques cibernéticos e movimentações militares na fronteira leste da aliança, governos aliados buscam reforçar tanto a dissuasão convencional quanto suas capacidades tecnológicas. O próprio secretário-geral Rutte já observou, em fevereiro de 2025, que “investir ainda mais em defesa é imperativo, pois, em um mundo mais perigoso, 2% do PIB não serão suficientes para nos manter seguros”.

Contudo, a meta de destinar 2% do PIB à defesa – estabelecida em 2006 e reiterada no Ato Fundador de 2014 – não é cumprida de forma uniforme. Em recente reunião de ministros da Defesa em Bruxelas, os Estados Unidos, por meio do secretário de Defesa Pete Hegseth, pressionaram os aliados a irem além dos 2%, propondo até 5% do PIB, divididos em 3,5% para equipamentos militares e 1,5% para infraestrutura e suporte logístico. Países como Suécia e Letônia demonstraram apoio à iniciativa, enquanto outros, como Espanha, resistem à ideia de alterar abruptamente o patamar vigente (2% do PIB).

Revisão Estratégica de Defesa: Detalhes e Novos Pormenores

Em março de 2025, o governo de Keir Starmer publicou sua Strategic Defence Review (SDR). O documento contém 62 recomendações, todas aceitas pelo Executivo britânico, e propõe elevar gradualmente os gastos militares de 2,3% para 2,5% do PIB até 2027, com meta ambiciosa de alcançar 3% até 2034. Entre os pontos centrais da SDR destacam-se:

  • Construção de até 12 submarinos nucleares de ataque em Cumbria. Esses navios — projetados para missões de dissuasão e vigilância no Atlântico Norte — visam reforçar a tríade nuclear do Reino Unido e criar uma cadeia produtiva estratégica em territórios do Norte da Inglaterra.
  • Instalação de seis fábricas de munições para produzir internamente até 7.000 mísseis de longo alcance, reduzindo dependência de importações e assegurando estoques frente à demanda crescente na OTAN.
  • Investimento de aproximadamente US$ 20 bilhões na modernização do arsenal nuclear existente, renovando ogivas e sistemas de lançamento, com cronograma estipulado até 2030 para ampliar a capacidade de resposta estratégica.
  • Fomento à indústria de defesa doméstica, incentivando parcerias entre governo e setor privado para acelerar pesquisa em inteligência artificial aplicada a sistemas de comando e controle, bem como melhorias em defesa cibernética, em linha com preocupações recentes sobre ataque a infraestruturas críticas.

A SDR também estabelece programas de recrutamento e retenção das Forças Armadas, prevendo acentuar a interoperabilidade com sistemas da OTAN, sobretudo no compartilhamento de dados de inteligência e exercícios multinacionais.

Pressão por Conformidade e a Dinâmica da “Partilha de Encargos”

O cerne da discussão entre Starmer e Rutte, porém, não se limita às ambições nacionais britânicas, mas engloba a pressão por uma “burden-sharing” (divisão equitativa de encargos) entre todas as nações aliadas. Os Estados Unidos, tradicionalmente maior despendedor militar no bloco, cobram índices crescentes de parceiros, argumentando que apenas alguns poucos países — Reino Unido, Polônia, Grécia e Estônia, por exemplo — honram regularmente a meta de 2% do PIB.

No encontro de defesa em Bruxelas, em que Rutte e Hegseth defenderam a meta de 5%, o secretário-geral enfatizou que “precisamos estar melhor equipados para enfrentar qualquer ameaça, em todos os domínios, agora e no futuro”. Esse discurso foi reforçado por pelo menos seis países que se mostraram abertos a elevar suas cotas, embora sem compromissos formais de prazo imediato. Alemanha e França sinalizaram intenção de revisar seus planos, enquanto nações menores citam restrições orçamentárias domésticas como obstáculo.

Expectativas e Resultados Potenciais da Reunião

Espera-se que as deliberações entre Starmer e Rutte tenham três objetivos táticos principais:

  1. Reforçar o papel de liderança britânico na defesa europeia. Ao mostrar que o Reino Unido está disposto a ultrapassar o patamar de 2%, o governo Starmer busca influenciar a opinião pública e a política de países refratários, principalmente na Europa Ocidental, onde ainda se discute corte de gastos sociais versus incremento em defesa.
  2. Buscar compromissos concretos de elevação dos gastos em curto‐prazo. Estudos internos da OTAN indicam que atrasos em cumprir a meta comprometem a prontidão rápida (high readiness forces), pois dificultam a manutenção de estoques e a rotação de tropas em cenários de crise.
  3. Alinhar a SDR britânica com diretrizes conjuntas de investimento tecnológico em áreas como guerra cibernética, sistemas não tripulados e inteligência artificial. Essa convergência visa criar padrões mínimos de aquisição, reduzindo custos de compatibilidade e acelerando a implantação de novas plataformas.

Embora Downing Street não tenha divulgado o texto final da reunião, fontes diplomáticas ressaltam que Rutte pretende levar aos colegas membros da OTAN a ideia de grupos de trabalho para mapear criticamente as capacidades individuais de cada país, identificando lacunas específicas — desde munições de artilharia até satélites de vigilância — que impactem a defesa coletiva.

Perspectivas Regionais: Europa e Além

O chamado a gastar 5% do PIB deflagra debates sobre prioridades domésticas frente a uma economia global ainda fragilizada por gargalos inflacionários. Países como Espanha e Itália resistem à elevação abrupta, embora tenham sinalizado a possibilidade de atingir 2,5% em fases posteriores ao atual ciclo eleitoral. Já a Alemanha – que representa cerca de 25% do PIB da aliança – reconheceu a necessidade de expandir suas Forças Armadas (Bundeswehr), mas enfrenta obstáculos legislativos para destinar recursos extras sem cortar outros programas sociais.

Além disso, o Conselho de Segurança das Nações Unidas continua a debater sanções e apoios a Kiev. O Reino Unido, através de Starmer, reiterou seu compromisso de dois bilhões de libras em ajuda militar à Ucrânia em 2025, destacando que a vitória de Kiev tem implicações diretas para a estabilidade do flanco leste da aliança. O avanço russo em regiões fronteiriças e o reforço de tropas chinesas no Mar do Sul da China reforçam a noção de que a OTAN deve se preparar para um teatro multidimensional de disputas.

Em um plano mais amplo, a agenda de Starmer também contempla interações com Estados Unidos e Canadá sobre compartilhamento de inteligência e logística no Atlântico Norte. Durante a visita de Starmer à Casa Branca, que ocorrera três dias antes da reunião com Rutte, foi reforçado o entendimento de que a doutrina de defesa deve considerar a dissuasão nuclear e a prontidão das forças convencionais como complementares, e não antagônicos.

Confiabilidade dos Planos e Debate Doméstico

Apesar das metas ambiciosas, analistas questionam a sustentabilidade fiscal a longo prazo. O Financial Times projetou que, para atingir 3% do PIB até 2034, o Reino Unido teria de dedicar cerca de £100 bilhões adicionais anuais à defesa, o que poderia resultar em cortes em programas sociais ou elevação de impostos. Organizações de veteranos alertam para a necessidade de equilibrar orçamento entre equipamentos modernos e treinamento do efetivo humano, lembrando que alta tecnologia sem mão de obra qualificada pode resultar em lacunas operacionais.

No Legislativo britânico, o Partido Conservador — ainda influente nos Comuns apesar de não ocupar o governo — expressou reservas sobre a magnitude dos investimentos, defendendo que a revisão estratégica seja acompanhada de auditorias semestrais para garantir transparência. Por outro lado, os trabalhistas, liderados por Starmer, argumentam que, em face dos desafios apresentados por Moscou e aliados autoritários, o incremento é imperativo e deve ser priorizado para manter o Reino Unido como ator global credível.

Conclusão: A OTAN em Transição

A reunião em Londres entre Keir Starmer e Mark Rutte marca um momento-chave na trajetória da OTAN, pois sinaliza o empenho do Reino Unido em não apenas manter o padrão de 2% do PIB, mas elevar seu compromisso a um patamar ainda mais expressivo. Com a nova Estratégia de Defesa britânica apontando para a construção de submarinos nucleares, fábricas de munição e reforço do arsenal, o objetivo é inspirar uma reação em cadeia: se Londres assume a dianteira, outros membros sentirão menos relutância em ajustar seus próprios orçamentos.

No entanto, a implementação concreta desses planos dependerá do debate político interno de cada nação, de acordos multilaterais para compartilhamento de recursos e, sobretudo, da evolução do panorama de ameaças. A meta de 5% do PIB, defendida pelos EUA, ainda encontra oposição, mas já provoca reflexões profundas sobre o financiamento da defesa num contexto de custos sociais elevados. Resta aguardar se as promessas de Londres e a pressão diplomática de Rutte conseguirão, de fato, reconfigurar a equação orçamentária da OTAN, garantindo não apenas dissuasão diante de Moscou, mas também preparo para desafios futuros, dos mares do Norte ao ciberespaço.

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