
Nos dias 2 e 3 de junho de 2025, uma série de ataques ucranianos atingiu subestações de energia nas regiões de Zaporizhzhia e Kherson, ambas sob controle russo, deixando mais de 700.000 residentes sem eletricidade. No dia seguinte, autoridades russas anunciaram a restauração total do fornecimento elétrico na região, mas a situação permanece marcada por complexidades geopolíticas, riscos à segurança nuclear e implicações humanitárias profundas. Este artigo analisa em detalhes os eventos, seus desdobramentos mais recentes e o impacto sobre a usina nuclear de Zaporizhzhia, à luz das avaliações do Diretor‐Geral da AIEA e de fontes oficiais russas.
O Alvo dos Ataques e o Impacto Inicial
Atingindo a Infraestrutura de Alta Tensão
Em 2 de junho de 2025, ataques ucranianos envolvendo artilharia de longo alcance e drones concentraram-se em subestações de alta tensão nas regiões de Zaporizhzhia e Kherson. Segundo o governador russo nomeado em Zaporizhzhia, Yevgeny Balitsky, mais de 600.000 pessoas em quase 500 localidades ficaram sem energia após o disparo de obuses que danificaram linhas de transmissão críticas. Na região de Kherson, o governador Vladimir Saldo declarou que destroços de drones atingiram duas subestações, privando mais de 100.000 moradores de eletricidade em cerca de 150 cidades e vilarejos.
Contexto Militar e Mensagem de Pressão
Esses ataques representam, segundo analistas, a maior ofensiva ucraniana contra infraestruturas russas em território ocupado desde o início da guerra, em fevereiro de 2022. A ação visou não apenas causar transtornos à logística russa, mas também sinalizar, em plena fase de negociações de paz na Turquia, a capacidade de Kiev de ameaçar zonas estratégicas no sul do país.
A Resposta Russa e a Restauração do Fornecimento
Mobilização de Equipes de Emergência
Na manhã de 3 de junho, o Ministério de Energia russo divulgou, por meio do canal oficial no Telegram, que “graças ao trabalho coordenado dos engenheiros de energia, o fornecimento às subestações foi totalmente restabelecido” e que equipes de outras regiões foram deslocadas para acelerar os reparos. Conforme o comunicado oficial, todos os 700.000 consumidores afetados tiveram energia restabelecida até o fim do dia 3 de junho.
Estratégia de Resiliência das Redes
O restabelecimento rápido reflete a política russa de manter estoques de transformadores, geradores e cabos sobressalentes pré-posicionados, além de procedimentos de reparo de emergência testados em apuros anteriores. Nos meses frios de inverno de 2024, após centenas de ataques russo-ucranianos, redes elétricas na Ucrânia foram seriamente degradadas, exigindo esforços igualmente rápidos de reconexão por parte de Kiev. Agora, do lado russo, observa-se uma curva de aprendizado similar: equipes especializadas capazes de operar em zonas de conflito, muitas vezes sob fogo contínuo.
O Papel da Usina Nuclear de Zaporizhzhia
Situação Atual e Avaliação da AIEA
A maior usina nuclear da Europa, localizada em Zaporizhzhia, está sob controle russo desde março de 2022, mas permanece em “cold shutdown” (desligamento a frio). No dia 3 de junho, o chefe da Rosatom, Alexei Likhachev, confirmou que “a situação está sob controle, embora seja muito complexa”. Em paralelo, o Diretor-Geral da AIEA, Rafael Grossi, afirmou que não existem condições para reiniciar o reator: faltam linhas de resfriamento confiáveis e uma fonte externa de energia estável, essenciais para evitar acidentes graves em caso de falha interna.
Riscos de Segurança e Rotina de Inspeções
Em relatórios divulgados pela própria AIEA, há registro de explosões diárias a poucos quilômetros da usina, colocando em risco a equipe de plantonistas e a integridade dos sistemas de resfriamento. Em fevereiro e março de 2025, rotações de especialistas da AIEA precisaram ser adiadas ou redirecionadas via territórios russos, diante da intensificação das hostilidades. A dependência de uma única linha de energia externa em algumas ocasiões chegou a reduzir a margem de resposta em poucos dias, reforçando a fragilidade da planta diante de qualquer nova degradação na rede elétrica fronteiriça.
Implicações Geopolíticas e Humanitárias
Guerra de Infraestruturas como Ferramenta de Pressão
Desde o início do conflito, ambas as partes têm priorizado ataques a infraestruturas críticas (rede elétrica, rodovias, pontes) visando minar a capacidade de resistência civil e forçar concessões políticas. Em 2024, por exemplo, a ofensiva russa no inverno ucraniano derrubou mais de 30% da capacidade energética de Kiev, levando a apagões que custaram a vida de dezenas de pessoas por falta de aquecimento . Agora, a Ucrânia retribui no território ocupado, buscando demonstrar que as regiões anexadas pela Rússia não estão “seguras” sob a nova administração, sobretudo à véspera de debates sobre sanções e ajuda militar no âmbito da União Europeia e dos EUA.
Custo Social nas Comunidades Locais
Ainda que a energia tenha sido restaurada em menos de 24 horas, o apagão intermitente causou interrupção de serviços de saúde, transporte de água e comunicação em áreas rurais sem geradores alternativos. Relatos de hospitais de campanha tendo de recorrer a geradores improvisados e de moradores entregues ao escuro durante a noite ilustram o impacto direto na qualidade de vida. O medo de novos ataques, aliado à desconfiança sobre a estabilidade das redes, intensifica o trauma coletivo nas populações que há mais de três anos vivem sob ocupação e sob ameaça constante de bombardeios.
Negociações de Paz e Perspectivas Futuras
Diplomacia em Meio ao Confronto
Enquanto ocorriam os ataques, representantes russos e ucranianos se reuniam na Turquia para discutir possíveis caminhos para o cessar-fogo. Moscou manteve sua exigência de amplas concessões territoriais e limitações ao tamanho do exército ucraniano, proposta rechaçada por Kiev como inaceitável e politicamente insustentável. A simultaneidade entre demonstrações militares e negociações diplomáticas indica que cada ofensiva fugiria como instrumento de barganha para fortalecer o peso de uma futura rodada de negociações.
Cenário de Longo Prazo para Infraestruturas Energéticas
A guerra de infraestrutura tende a se prolongar, com a modernização contínua de sistemas de defesa aérea, mísseis guiados e drones de ataque. Do lado russo, o esforço de reposição rápida de transformadores e linhas de transmissão visa não só recuperar o conforto local, mas também reforçar a legitimidade política da ocupação, mostrando “normalidade” à população. Por outro lado, a Ucrânia investe em Contramedidas cibernéticas e sistemas de redundância energética (como mini-redes solares locais) para mitigar futuras investidas russas sobre suas próprias redes.
Conclusão
Os eventos de 2 e 3 de junho de 2025 deixam claro que a guerra entre Rússia e Ucrânia não se limita a combates convencionais, mas envolve uma disputa contínua pelo controle das infraestruturas civis e energéticas. A restauração da energia a 700.000 pessoas em menos de 24 horas, embora bem-vinda do ponto de vista humanitário, faz parte de um contexto em que cada apagão serve como instrumento político e militar. Ao mesmo tempo, a usina nuclear de Zaporizhzhia, ainda em “cold shutdown”, permanece como um ponto de risco permanente, dependente de linhas de distribuição frágeis e sujeito a ataques nas imediações, motivo pelo qual o reinício de operações foi considerado inviável pela AIEA.
Nesse cenário, a diplomacia e as negociações de paz, cada vez mais tensionadas, caminham lado a lado com as ofensivas de longa-alcance, indicando que a disputa por territórios e influência só tende a intensificar o papel estratégico das infraestruturas críticas como campo de batalha e moeda de barganha. A fragilidade dos sistemas elétricos e a vulnerabilidade das instalações nucleares, por fim, ressaltam a importância de garantias internacionais robustas para evitar desastres humanitários e ambientais, mesmo antes da resolução final do conflito.
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