
A disputa comercial sobre minerais críticos entre Estados Unidos e China voltou ao centro das atenções após declarações do Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, de que os presidentes Donald Trump e Xi Jinping falarão “muito em breve” para tentar resolver impasses relacionados a tarifas e restrições sobre matérias-primas estratégicas. A importância desses insumos, essenciais desde indústrias de alta tecnologia até defesa, confere à crise um caráter geopolítico que ultrapassa o mero âmbito econômico.
Contexto dos Minerais Críticos e sua Relevância Geopolítica
Definição e Aplicações
Minerais críticos englobam materiais indispensáveis à produção de tecnologias avançadas, como baterias de veículos elétricos, turbinas eólicas, equipamentos eletrônicos e sistemas de defesa. Entre eles, destacam-se lítio, cobalto, níquel, terras-raras e grafite. A crescente dependência global desses insumos tornou-se catalisador de tensões comerciais, sobretudo entre grandes potências que disputam influência nas cadeias de suprimento.
Domínio Chinês no Mercado de Terras-Raras
Desde meados da década de 2010, a China consolidou-se como principal produtora e refinadora de terras-raras, respondendo por cerca de 60% da produção mundial e 90% do refino desses elementos, fundamentais para motores elétricos e eletrônicos de ponta . Esse monopólio conferiu ao governo de Pequim capacidade de manobra, usando exportações como instrumento de barganha em negociações multilaterais.
Dependência dos EUA e Aliados
Os Estados Unidos e vários países da Europa importam a maior parte das terras-raras refinadas diretamente da China. Essa dependência se intensificou após a imposição de tarifas recíprocas em 2018-2019, quando ambas as nações aplicaram tarifas superiores a 100% em certos produtos estratégicos, como forma de pressionar o adversário a ceder em negociações.
Declarações de Scott Bessent e a Postura Americana
Acusações de Descumprimento Chinês
Em entrevista ao programa Face the Nation, da CBS, Scott Bessent acusou a China de “reter produtos essenciais para as cadeias de suprimento industrial da Índia e da Europa” e afirmou que isso não condiz com o comportamento de um “parceiro confiável”. Segundo ele, tratava-se de um acordo prévio em que ambas as partes se comprometeram a reduzir tarifas e restrições sobre minerais críticos, mas Pequim teria interrompido o envio de lotes já aprovados sem justificativa clara.
Possíveis Causas para a Interrupção
Bessent sugeriu que a retenção poderia se dever a um “glitch no sistema chinês” ou a uma decisão deliberada de Pequim, hipótese que só seria esclarecida após a futura conversa entre Trump e Xi. O teor dessa conversa ainda não foi fechado, mas tanto a Casa Branca quanto assessores chineses indicam que ela ocorrerá “muito em breve”.
Contexto do Acordo de Genebra
Em meados de maio, EUA e China firmaram em Genebra um entendimento preliminar para reduzir tarifas sobre certos produtos: as tarifas americanas, originalmente em 145%, cairiam para 30%, enquanto as chinesas, de 125%, seriam reduzidas a 10%. Mesmo assim, a China não suspendeu imediatamente todas as medidas de retaliação, sobretudo relacionadas a exportações de minerais raros, o que contribuiu para uma leve queda nos mercados acionários americanos.
Perspectiva Chinesa e Justificativas Internas
Declaração Oficial
Até o momento, o governo chinês não comentou diretamente as acusações de descumprimento. Em abril de 2025, porta-vozes do Ministério do Comércio afirmaram que a China “cumpre seus compromissos comerciais” e não reconhecem a existência de restrições de caráter político sobre minerais críticos.
Pressão para Preservar Reservas Estratégicas
Análises de acadêmicos da Peking University indicam que Pequim tem interesse em preservar estoques internos de terras-raras e outros minerais, dado o crescimento acelerado de suas próprias indústrias de alta tecnologia e energia renovável. Publicações como a “China Economic Review” apontam que essa estratégia busca garantir suprimentos para o mercado interno, usando eventuais restrições às exportações como forma de barganha em negociações mais amplas.
Nacionalismo Econômico
Mídias estatais, em reportagens de final de maio de 2025, reforçaram a narrativa de soberania nacional sobre recursos minerais, criticando suposta interferência externa. Essa retórica visa criar um consenso interno de que a China não abrirá mão de sua vantagem estratégica para ceder a pressões comerciais.
Impacto nas Cadeias de Suprimento Mundiais
Repercussões na Índia e na Europa
- Índia: Empresas indianas do setor de baterias reclamam que cerca de 70% de seu abastecimento de terras-raras ainda depende da China. A National Mineral Development Corporation (NMDC) alertou que atrasos em embarques podem comprometer cronogramas de produção de veículos elétricos até 2030, prejudicando metas de descarbonização .
- Europa: A Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA) destacou que cerca de 40% dos componentes de veículos elétricos importados pela região dependem de matérias-primas chinesas refinadas. Eventuais restrições prolongadas elevariam custos e atrasariam projetos de transição energética.
Indústria de Defesa Americana
Relatórios não oficiais do Departamento de Defesa dos EUA indicam que a falta de acesso a neodímio e praseodímio — metais-chave para motores de mísseis e sistemas de radar — pode atrasar a produção de sistemas militares sensíveis. Em resposta, o Pentágono avalia parcerias com Austrália e Brasil para diversificar fontes de suprimento.
Orientação de Organizações Internacionais
A Agência Internacional de Energia (AIE) emitiu nota enfatizando que a segurança de abastecimento de minerais críticos é prioridade global, e que a disputa sino-americana aumenta o risco de fragmentação de mercados, elevando preços e prejudicando metas de redução de emissões de carbono.
Análise de Especialistas
Prof. Marcelo Oliveira (FGV-SP)
“O controle sobre recursos estratégicos tem sido usado como instrumento de negociação geopolítica”, afirma Marcelo Oliveira, especialista em comércio exterior. Segundo ele, ambas as potências reconhecem que restringir temporariamente exportações de minerais críticos cria um poder de barganha que pode ser trocado por concessões em tecnologia 5G, propriedade intelectual e acesso a investimentos.
Dr. Li Wei (Peking University)
Li Wei, professor de Relações Internacionais, avalia que “o governo chinês não deseja cortar completamente o fornecimento, pois isso prejudicaria sua própria produção de eletrônicos e energia renovável. A estratégia é manter pressão moderada até que Washington apresente concessões em outros setores, como a redução de sanções a empresas de semicondutores.”
Representantes da Indústria Indiana
Empresários indianos do setor de baterias, em relatos à “Industrial Minerals India”, reforçam que “sem acesso constante aos óxidos de terras-raras, várias fábricas precisarão reduzir a produção”, elevando custos internos em até 20% nos próximos seis meses.
Possíveis Cenários e Consequências Futuras
- Diálogo Presidencial Bem-Sucedido
Caso Trump e Xi mantenham a chamada nas próximas semanas (sem data confirmada até 1º de junho de 2025), é possível que se formalize um cronograma para liberação gradual de embarques retidos, acompanhado por um mecanismo de monitoramento conjunto. Isto reduziria tensões imediatas e abriria espaço para tratar outros pontos pendentes, como subsídios industriais e transferência de tecnologia. - Escalada de Retaliações
Na hipótese de insucesso na conversa ou de adiamento indefinido, a Casa Branca pode adotar novas tarifas sobre produtos chineses, ampliando listas de bens estratégicos. A China, por sua vez, poderia intensificar barreiras não-tarifárias, como inspeções mais rigorosas em portos americanos e retenção prolongada de licenças de exportação, elevando ainda mais a incerteza nos mercados globais. - Diversificação de Fornecedores
Independentemente de avanços imediatos, governos e empresas buscam reduzir a dependência chinesa. Países africanos (Namíbia, Botsuana) e latino-americanos (Brasil, Argentina) têm numerosa ocorrência de lítio, níquel e outros minerais críticos. Projetos de mineração responsável aumentam, com financiamentos de agências multilaterais e incentivos para processamento local, visando criar estoques estratégicos alternativos. - Iniciativas Multilaterais
Uma coalizão formada por EUA, União Europeia e Japão pode avançar na criação de um consórcio de fornecedores alternativos, com estoques comuns de minerais críticos e investimentos em tecnologias de reciclagem. Esse bloco serviria para reduzir riscos de monopólio chinês e garantir preços mais estáveis, além de promover padrões ambientais e sociais mais rigorosos nas cadeias de suprimento.
Considerações Finais
A disputa sobre minerais críticos entre Estados Unidos e China não se resume a uma simples troca de tarifas: reflete a busca por vantagem estratégica em setores de tecnologia e defesa. As declarações de Scott Bessent em 1º de junho de 2025 reforçam que, embora haja um entendimento prévio de reduzir tarifas (com cortes de 145% para 30% nos EUA e de 125% para 10% na China), Pequim ainda adota medidas que restringem exportações de terras-raras, mantendo pressão negociadora.
Até o momento, não houve confirmação de data para a chamada entre Trump e Xi, mas todos os indícios apontam para um diálogo “muito em breve”. Se bem-sucedido, poderá restaurar o fluxo de insumos e evitar uma escalada de retaliações que impactaria fortemente cadeias de suprimento de Índia, Europa e setor de defesa americano. Caso falhe, novas barreiras poderão reduzir ainda mais a cooperação comercial, acelerando esforços de diversificação para fornecedores alternativos na África, América Latina e Oceania.
Em última análise, a resolução — ou não — desse impasse servirá como termo de balizamento para futuras negociações entre as duas maiores economias do mundo, envolvendo desde tecnologia avançada até segurança cibernética e infl uência geopolítica. Independentemente dos resultados imediatos, a disputa fortalece a convicção internacional de que dependências concentradas em um único ator representam riscos sistêmicos que devem ser mitigados.
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