
Enquanto a tensão entre Israel e Irã atinge níveis inéditos, o Kremlin reafirma seu papel de intermediário geopolítico. No dia 16 de junho de 2025, o porta‑voz Dmitry Peskov declarou que Moscou continua disposta a mediar o conflito e a retomar a proposta de retirar o urânio altamente enriquecido do Irã para conversão em combustível de reatores civis em território russo. A iniciativa chega em um momento de intensos confrontos e receios de escalada regional, colocando a Rússia no centro de uma delicada manobra diplomática.
Proposta de armazenamento e conversão de urânio
- Mecanismo técnico‑diplomático:
A oferta russa consiste em transportar o estoque de urânio enriquecido acima dos 20% de pureza para a Rússia, onde seria reprocessado em urânio enriquecido a níveis inferiores (5%), apto somente para uso em centrais nucleares civis. Segundo Peskov, “a proposta permanece válida e relevante, mas a situação se complicou seriamente com o início das hostilidades”. - Objetivo estratégico:
Além de reduzir o risco de desvio para fins militares, esta solução técnica visa criar confiança mútua e abrir caminho para negociações políticas mais amplas sobre o programa nuclear iraniano, hoje visto com grande desconfiança por Israel e potências ocidentais.
Irã e seu programa nuclear
- Direito declarado à energia pacífica:
A República Islâmica sustenta que seu programa visa exclusivamente fins civis — geração de energia e pesquisa médica — apoiando‑se em fatwas religiosas do aiatolá Khamenei contra armas nucleares . - Aceleração da capacidade de enriquecimento:
Relatórios recentes do AIEA indicam que Teerã possui cerca de 275 kg de urânio a 60%, um salto significativo em relação aos níveis de novembro de 2024, o que reduz o prazo de produção de material para armamentos de meses para poucas semanas.
Escalada militar e reações internacionais
- Ataques israelenses e contra‑ataques iranianos:
Entre 13 e 14 de junho de 2025, Israel lançou a “Operação Escudo de Titânio”, atingindo instalações nucleares e bases da Guarda Revolucionária no Irã. Em retaliação, Teerã disparou mísseis balísticos e drones contra alvos dentro de Israel, causando vítimas em ambos os lados. - Condenação russa das ações israelenses:
O Kremlin qualificou as incursões como “não provocadas e ilegais” sob a Carta da ONU, ressaltando que nem a usina de Bushehr — construída com tecnologia russa — foi danificada. - Telefonemas de Putin a líderes regionais:
Em 13 de junho, o presidente Vladimir Putin conversou separadamente com o premier israelense Benjamin Netanyahu e com o presidente iraniano Masoud Pezeshkian, defendendo a solução de todas as controvérsias nucleares por meios diplomáticos e políticos.
Desafios à mediação russa
- Percepção de parcialidade:
Acordos bilaterais de defesa Rússia‑Irã, firmados em janeiro de 2025, e fornecimento de drones Shahed abalam a confiança israelense na neutralidade de Moscou. - Riscos logísticos e segurança:
O transporte de material nuclear estratégico exige rotas seguras através de espaços aéreos sensíveis, sob constante ameaça de interferência militar. - Divergências políticas:
Enquanto Trump demonstrou apoio público à iniciativa russa, o governo de Israel e franjas do Congresso americano exigem garantias de fiscalização rigorosa e condicionam qualquer flexibilização de sanções a inspeções independentes. - Fragilidade do quadro multilateral:
A ausência de diálogo direto entre Washington e Teerã e a derrocada das negociações do JCPOA impõem um cenário de desconfiança mútua, dificultando acordos duradouros.
Perspectivas e implicações
A mediação russa combina oferta técnica concreta — o down‑blending de urânio — com ambições de liderança diplomática. Caso as partes aceitem o mecanismo, poderia nascer um novo arranjo de segurança nuclear, aliviando tensões imediatas e abrindo margem para negociações mais amplas. Todavia, o sucesso depende de rápida desescalada das hostilidades, construção de confiança e o papel equilibrador de mediadores internacionais.
Conclusão
A proposta de Moscou de retirar e converter o urânio iraniano, aliada ao discurso de mediação, reflete a busca russa por protagonismo em crises globais. Resta saber se Israel e Irã aceitarão a intermediação mista — técnica e política — de um ator que, embora possua capacidade de influência, também é parte interessada nas dinâmicas regionais. À medida que a escalada prossegue, o relógio corre contra a diplomacia: cada novo ataque ameaça enterrar as possibilidades de um acordo antes mesmo de ele sair do papel.
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